quinta-feira, 30 de junho de 2016

Roberto Rodrigues – uma aula de agronegócio

Foto: assessoria de comunicação
Nascido na pequena Cordeirópolis no estado de São Paulo, Roberto Rodrigues está ligado ao agronegócio desde muito jovem. Engenheiro agrônomo, produtor rural, professor, e economista rural, ex-Ministro da Agricultura durante o primeiro mandato do Governo Lula, e um dos maiores especialistas do setor no Brasil, tem dentre suas qualificações, o conhecimento da real importância e da potencialidade da agricultura e da pecuária brasileira.

Durante a entrevista cedida à Pivot Point Brasil, o ex-ministro mostrou além de simpatia e cordialidade, que é um homem à frente de seu tempo e certo das responsabilidades e desafios de todos os setores ligados ao agronegócio. Renomado, seu currículo engloba ainda: coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, Embaixador da FAO para o Cooperativismo, conselheiro de várias instituições de classe e acadêmicas ligadas ao agronegócio, tendo sido, ainda, presidente de organizações e associações que impulsionam e apoiam o setor no Brasil. É ícone para o setor agropecuário, possuindo nove livros publicados sobre agricultura, cooperativismo e agronegócio. Com 50 anos de vida dedicados ao agronegócio, Roberto Rodrigues nos presenteia com uma entrevista em que faz um panorama da atual situação do setor e dos desafios que devem ser enfrentados nos próximos anos.

Pivot Point Brasil - Dentre tantos desafios e conquistas durante sua jornada dentro do agronegócio brasileiro, como o senhor traduz e classifica o setor?
Roberto Rodrigues - O agronegócio brasileiro responde por um quarto do PIB nacional, gera 30% dos empregos e é responsável pelo saldo comercial positivo do país, visto que os demais setores são deficitários. E apesar da grande crise de 2008, nossas exportações continuam crescendo. Em 2004, exportamos 35 bilhões de dólares e no ano passado, dez anos depois, o valor foi de 96 bilhões de dólares, graças ao desenvolvimento de uma tecnologia tropical em nossos organismos de pesquisa que foi adotada por nossos produtores rurais, o que nos deu competitividade frente aos concorrentes de outros países. Esse setor é, portanto, um dos mais importantes, senão o mais importante, em todo o conjunto socioeconômico brasileiro.

PP - As dificuldades do setor são inúmeras. Muito se fala em uma queda na economia brasileira. Como o produtor brasileiro deve se preparar para uma possível baixa na economia rural?
RR - Estamos terminando uma safra de verão beneficiada pelo câmbio: embora os preços das commodities tenham caído em dólares por causa da grande oferta global, a valorização do dólar frente ao real compensou essa queda, de modo que a renda rural foi sustentada, e em boa parte do país também ajudada por boas condições climáticas. Mas os preços continuam caindo lá fora, enquanto os custos da próxima safra subirão aqui por causa do mesmo câmbio que ajudou a renda desse ano. E não sabemos qual será o dólar da colheita em 2016. O necessário ajuste fiscal imposto pelo governo vai reduzir o volume de crédito rural e aumentar os juros de modo que a perspectiva é de aperto nas margens do ano que vem. O produtor deve colocar as barbas de molho, cortando custos e reduzindo investimentos. Não dá para aumentar endividamento neste cenário adverso.

PP - Vendo essa realidade, onde o agronegócio brasileiro será afetado pela baixa econômica, como o setor irá compensar de alguma maneira o baixo crescimento de alguns setores?
RR - O PIB do agronegócio vai crescer mesmo sob essas condições negativas. Este ano deve crescer em torno de 1,5%. Nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 50% enquanto a produção cresceu 234%, quase cinco vezes mais! Essa tecnologia mostra uma grande sustentabilidade. Se tivéssemos hoje a mesma produtividade por hectare de 25 anos atrás, precisaríamos de mais 69 milhões de hectares para produzir a safra recorde que estamos colhendo este ano nos 57 milhões de hectares que cultivamos. Isso quer dizer que preservamos 69 milhões de hectares. Não é uma promessa, está feito. Como a demanda mundial por alimentos segue aumentando, continuaremos ajudando a segurança alimentar de outros países ao mesmo tempo em que sustentamos a economia brasileira tão machucada por problemas dos demais setores.

PP - Para o senhor, existem estratégias que possam mudar o cenário do agronegócio atual? Existem caminhos que possam dirigir com excelência o rumo do setor?
RR - Sem dúvida falta uma estratégia articulada para o agronegócio crescer muito mais, gerando empregos, renda e riqueza para o nosso país. E alguns pontos são fundamentais para essa estratégia, como logística e infraestrutura, fato que todo mundo conhece: já temos um bom projeto para isso, falta tirar do papel. Falta uma política de renda, que modernize o crédito rural, crie um seguro agrícola digno desse nome, reforme os preços mínimos e organize modelos de comercialização privados, como leilões de opção, fortalecendo as Bolsas de Futuros. Falta uma política comercial mais agressiva, com acordos bilaterais que aumentem nossos mercados e reduzam a amarração ao Mercosul, que não nos permite avançar em acordos fundamentais, como o com a União Europeia. Precisamos estimular ainda mais a tecnologia, fortalecendo os organismos estaduais e federais de pesquisa e extensão rural. Precisamos de negociações que agreguem valor as exportações: em vez de exportar soja e milho em grãos, embuti-los em carne de frango e de suíno para gerar emprego aqui dentro e não lá fora. A agroenergia, setor que pode mudar a geopolítica mundial e que foi grande responsável pela redução de nossa dependência de petróleo importado, deve ser reativada. O FAO e a OCDE pedem ao Brasil para aumentar em 40% a produção de alimentos, para que o mundo possa crescer 20% nos próximos dez anos! Temos que crescer o dobro do que o mundo crescerá e só assim haverá segurança alimentar no mundo. E só conseguiremos fazer isso se tivermos a estratégia referida. Que passa também pela modernização de várias legislações que estão obsoletas.

PP - Quando o senhor acredita que o setor sucroalcooleiro estará recuperado?
RR - Nos últimos anos o governo usou o controle do preço da gasolina para segurar a inflação: comprava lá fora por um preço e vendia aqui dentro mais barato. Com isso, destruiu o valor da Petrobras e acabou com a competitividade do etanol, criando enormes dificuldades para o setor. No começo deste ano, puxado pelo ajuste fiscal, o governo federal voltou a cobrar a CIDE sobre a gasolina, devolvendo competitividade ao etanol. Também permitiu o aumento da mistura, de modo que as coisas tendem a melhorar. Por outro lado, o mercado mundial de açúcar no qual o Brasil é o maior ator, pode piorar porque a Tailândia e a Índia estão subsidiando pesadamente seus produtores de cana. Isso vai aumentar a produção de açúcar nesses dois países, pressionando os preços para baixo. Portanto, precisamos de uma clara estratégia para o setor em nosso país: temos que decidir qual é a matriz energética que queremos, qual o espaço da agroenergia nessa matriz e o que precisa ser feito para garantir tal espaço.

PP - A crise hídrica chegou e levou a população brasileira a estar atenta a falta d’água. Muitos estudos tratam o assunto como participante do histórico do planeta, onde há épocas de seca e épocas de águas. Para o senhor, o assunto é simples assim?
RR - Não. O assunto é muito mais complexo. Contempla os ciclos naturais do planeta, mas também tem a ver com o comportamento humano. A população da Terra está crescendo, assim como sua renda, de modo que o consumo de tudo aumenta, e é preciso compatibilizar o conjunto das demandas com a preservação dos recursos naturais. A humanidade tem que sobreviver e evoluir. Não podemos voltar para as cavernas, mas também não podemos destruir o meio ambiente. E é possível fazer as duas coisas, desde que se usem tecnologias modernas e preservacionistas. E aqui há um tema que tem sido tratado com certo primarismo, o de que a agricultura consome 70% da água consumida no mundo. Isso não é verdade: a agricultura não consome, ela usa a água e a devolve filtrada para a natureza. Um pé de milho ainda verde tem 60% de água, mas quando encerra seu ciclo, vira pó. Ora, para onde foi a água do milho verde? Voltou para a natureza, como vapor ou para o lençol freático, renovada e melhorada. A única água exportada pelo milho é a que fica nos grãos do cereal, que servem para o consumo humano, direta ou indiretamente. Já a água usada em esgotos urbanos tem muito mais perdas do que as usadas pelas plantas e animais.

PP - Muitas vezes a população urbana vê o produtor rural como vilão. Nessa crise hídrica isso ficou ainda mais evidente. Como seria possível mudar essa percepção da população?
RR - Esta é uma questão central. Numa democracia, e felizmente somos uma, as políticas públicas são definidas muitas vezes em função do que pensa a sociedade. Se a maioria das pessoas for a favor de reduzir a maioridade penal, por exemplo, isso acontecerá. A população brasileira é hoje majoritariamente urbana, e em geral mal informada sobre o papel da agropecuária e do agronegócio no desenvolvimento e sustentação do país. Recente pesquisa realizada na França mostrou que 82% dos cidadãos urbanos franceses consideram seus agricultores como heróis. E lá as políticas públicas estimulam a atividade rural. Aqui, o desconhecimento da realidade leva nossos urbanos a desprezar a atividade rural e o produtor rural, achando que eles destroem o meio ambiente, que usam "venenos" nas plantas, que exploram o trabalho escravo e outras lendas. No mundo desenvolvido, os cidadãos urbanos tem o maior respeito pelos agricultores porque sabem que não haverá comida, energia ou fibras (algodão) sem eles. Sabem que há uma relação visceral entre o urbano e o rural. Ainda não chegamos nesse ponto de conhecimento, mas isso felizmente está mudando e hoje boa parte da população urbana já respeita e admira o homem do campo. Mas isso precisa ser mais bem comunicado: repetir a verdade é o melhor caminho.

PP - Como o senhor vê a evolução da irrigação no Brasil?
RR - Acho que a irrigação vem evoluindo no país, mas há ainda um grande espaço para avançar. Precisamos de políticas regulatórias para esse setor que é a fronteira das tecnologias agropecuárias, contemplando linhas de crédito especiais, a modernização dos equipamentos, o uso adequado da água, eventualmente cobrando por ela, entre outros fatores. A irrigação é a cereja do bolo das modernas tecnologias, exige atenção especial de governos em todos os níveis: federal, estaduais e municipais.

PP - Hoje cerca de 5 milhões de hectares são irrigados e  fala-se em um potencial de 29 milhões de hectares irrigados. Como ex-ministro de agricultura, quais os caminhos e desafios pra chegarmos lá?
RR - Reitero que precisamos definir estratégias para esse setor tão importante quanto delicado. O uso da água, bem como o da terra, constitui-se em crescente preocupação da humanidade. Linhas especiais de crédito para irrigação e armazenagem de água precisam ser ampliadas. A tecnologia deve evoluir na direção da redução do desperdício da água, com equipamentos cada vez mais modernos, e tudo isso exige muita educação por parte de usuários e formuladores de políticas públicas. Trata-se de um dos temas mais sérios da moderna agropecuária, especialmente em países tropicais como o Brasil que tem gigantescas áreas agricultáveis atualmente não utilizadas porque não chove o suficiente. Acredito que a irrigação, junto com a nanotecnologia, a biotecnologia e TI serão as grandes alavancas na direção da ampliação da competitividade do agro brasileiro.

PP - Para o senhor, não está na hora de o Brasil ter o seu “farm bill” como acontece nos EUA?
RR - A estratégia de que tratamos em outra parte dessa entrevista seria uma espécie de "farm bill" nacional, desde que contemplasse mais especificamente a questão da renda do homem do campo. A última "farm bill" americana, por exemplo, sob as crescentes pressões da OMC e dos países concorrentes dos Estados Unidos, mudou o foco dos subsídios diretos para indiretos, através do fortalecimento do seguro rural que contempla não apenas problemas determinados por acidentes climáticos, mas também pela volatilidade dos preços agrícolas. A renda rural fica assim garantida, e com isso a atividade também se estabiliza, com todos os riscos mitigados. Portanto, uma política agrícola que cuide dessa temática da renda no campo seria parte essencial da estratégia que defendemos para o crescimento equilibrado do nosso agro.

PP - A profissionalização do produtor rural brasileiro é tecla sempre batida. O que o senhor compreende que deve ser feito? Quais os caminhos a serem seguidos?
RR - Profissionalização no campo é absolutamente fundamental. Não se constrói uma empresa, um grupamento social ou uma nação sem gente treinada, motivada, preparada e apta para exercer com profissionalismo sua atividade, qualquer que seja ela. Isso não é diferente na agropecuária, onde a profissionalização precisa atender aos diversos níveis de atividade. Hoje uma colhedeira de cana com todos os aparatos que a cercam custa quase um milhão de reais. Um operador de tal máquina vai lidar com GPS, computador de bordo, informações via satélite, o que exige grande investimento em treinamento. Tampouco se faz agricultura de precisão ou integração lavoura / pecuária sem preparo técnico. Rastreabilidade e certificação, fenômenos cuja exigência crescerá no mundo todo, não se farão sem gente capacitada, seja na agricultura, seja na pecuária, seja na agroindústria: os consumidores modernos querem saber como aquele produto foi feito, quem esteve à frente dos processos. Portanto, os trabalhadores rurais devem receber muita informação e treinamento. No nível médio, sobretudo nos controles de custo, na gestão e na gerência das empresas também são necessários funcionários especializados e capazes, os técnicos agrícolas e em gestão. E por fim, os profissionais de nível superior (engenheiros agrônomos, médicos veterinários, zootecnistas, engenheiros florestais, etc) precisam saber mais do que hoje aprendem. Precisam entender de mercado, de políticas públicas, de avanços científicos, de gestão (aí entrando a gestão ambiental, a trabalhista, a fiscal e tributária, a financeira, o controle de custos, etc). Estes três níveis de trabalhadores deveriam estar preparados para discutir os fatores essenciais para a produção sustentável e competitiva.

PP - Durante suas aulas, qual a maior dificuldade aparente nos seus alunos? O que temem os futuros profissionais do agronegócio brasileiro?
RR - Acho que a maior problema dos alunos de ciências agrárias é a expectativa de conseguir um bom emprego, condizente com seus sonhos e ambições. A competição é acirrada e não dá espaço para acomodação ou despreparo. Insisto muito com os futuros profissionais desse setor que devem se comunicar bem, aptos a trabalhar em equipe, com espírito de liderança, conhecendo informática e com boa prática de inglês e, se possível, de espanhol. Devem estar informados sobre as instituições que regem a atividade do setor escolhido e precisam conhecer a história do país, sua geografia, suas características edafoclimáticas, étnicas, culturais... O profissional de ciências agrárias não deve ser apenas um técnico que conheça bem seu setor, embora isso seja absolutamente essencial: é preciso ser um comandante, pela única e boa razão de que o agronegócio comandará ainda por um bom tempo os horizontes da economia nacional.

*Entrevista publicada em Pivot Point Brasil - abril/2015

Nenhum comentário: