domingo, 20 de novembro de 2011

Dos tempos gregos aos dias atuais

Num mundo repleto de conceitos não-criados, ouve a necessidade da criação de ordens e ideais para a construção daquilo que se hoje pensarmos, não teria como existir se não existisse. Maneira um tanto alucinógena de imaginar, mas que de fato nos remete a imagem de como seria o mundo sem as cidades e suas normas e seus cidadãos. Entre o século VIII a VII a.C., os gregos - que na verdade eram descendentes de outras grandes etnias – trouxeram a idéia, ou a Paidéia, de Polis. Essa idéia traz-nos ainda ao panorama entre a filosofia e a política que se confrontam (podendo ainda ter-se confrontando muitas vezes ainda naquela época), dando-nos a impressão de que pouco mudou-se de lá pra cá. “Poder de conflito e o poder de união, Eris-Philia: duas entidades divinas, opostas e complementares” como comenta Jean-Pierre Vernant em seu As origens do pensamento grego, estão muito bem relacionado em nossa época. É só olharmos ao redor.


Jean-Pierre Vernant

Nesse mesmo texto, podemos destacar a particularidade entre os conceitos gregos de oito séculos antes de Cristo, aos dias contemporâneos. Os dois pólos da vida social se rivalizam para associar-se ao convívio em sociedade e de unificação. Prova deste conceito tão contemporâneo é quando podemos ver nos jornais e telejornais de ontem e de hoje mesmo (e porquê não a internet – mostra de modernidade), prisão de um traficante, dono da favela mais populosa do mundo, para que assim, juntos, favelados (não-cidadãos) e aristocratas e quem está associado a esse termo sendo grande parte das vezes um pé-rapado, visto dessa forma porque não mora no morro (cidadãos) possam, conviver em harmonia.
Essa realidade em nada fica distante da vida na polis do século V a.C. A única diferença é que hoje em dia os não-cidadãos estão mascarados pelo sistema publicitário-capitalista-político, onde os dá a ilusão de que fazem parte do sistema. Sistema esse que ainda coloca suas mulheres abaixo dos homens nos graus de remuneração trabalhista e que ainda vê-se preconceituoso quando o cara é negro, ou índio, ou japa.

Norberto Luiz Guarinello

Particularidades também podem ser vista no texto de Norberto Luiz Guarinello em Cidades-Estado na Antiguidade Clássica, quando comenta a propriedade dos camponeses que precisavam trabalhar ou serem apadrinhados para ter acesso ao território agrícola. Será que podemos ver algum resquício de reforma agrária? Os conflitos entre comunidades rurais e urbanas ainda podem ser vistos quando lembramos as péssimas condições de trabalho no campo, as estradas em descaso, a falta de habilitação à saúde e a informação, o trabalho escravo ainda no século XXI... Tudo isso porque, desde àquela época dependemos do trabalho desses homens e mulheres para nos sustentar, simplesmente.

A idéia de propriedade privada faz da terra uma comunidade de proprietários que a defendem sem a presença de um soberano. Frase feita dita nas ágoras e que podem ser ouvidas como que repetidas nos programas gratuitos de partidos políticos na TV ou nos plenários da vida e que de fato não representa muito. O indivíduo precisava e precisa mesmo é possuir meios de subsistência e de riqueza para fazer parte do quadro da comunidade. Sua propriedade depende das suas relações com um poder superior. Prova disso são os grandes pecuaristas que com seus muitos funcionários rurais nada faz pela preservação do meio ambiente. Já o humilde produtor que vive para trabalhar literalmente, é multado e tem que vender sua terrinha para pagar a dívida e fazer outra, através de financiamento bancário, para tê-la novamente.

Como N. L. Guarinello comenta: “(...) Alguns elementos deram a essas comunidades camponesas um caráter único dentre as sociedades agrárias da História. Um fator primordial foi o desenvolvimento da propriedade privada da terra. Em uma cidade-estado, cada família camponesa cultivava um ou mais lotes com contornos bem definidos, que eram sua propriedade individual, de onde obtinha seus meios de subsistência... As grandes propriedades eram formadas, quase sempre, pela multiplicação de pequenos lotes... A terra comunitária, onde existia, era uma reserva para loteamentos futuros, sempre apropriados individualmente.”

Moses Finley
O historiador Moses Finley traz à nossa realidade uma visão mais globalizada dessa questão. Quando em “A Política no Mundo Antigo”, mais precisamente no último parágrafo do terceiro capítulo diz: “Vários séculos se passaram desde então e nenhum dos modelos de comportamento ou acontecimentos que esbocei se tornam inteligíveis sem a compreensão das políticas nelas envolvidas. Nem a élite, em aliança ou em concorrência, nem tão-pouco a populaça foram espectadores passivos. Havia que recorrer a eles, consultá-los, manipulá-los, manobrá-los e suplantá-los nas manobras; numa palavra, envolvê-los politicamente por diversas formas. Foi este o preço pago por um sistema de cidade-estado com o seu elemento de participação popular”.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Essa continuação diluída e modificada, como ilustra M. Finley pode ser muito bem observada através do texto abaixo.

“Esta ordem econômica foi acompanhada por uma nova administração política. Sólon privou a nobreza de seu monopólio de cargos pela divisão da população de Atenas em quatro classes de renda, destinando as duas classes mais altas às magistraturas mais elevadas, a terceira tendo acesso às posições administrativas mais baixas, e a quarta tendo direito a um voto na Assembléia dos cidadãos, que desde então se tornou uma instituição normal da cidade. Este arranjo não estava destinado a durar.

Nos trinta anos seguintes, Atenas experimentou um rápido crescimento comercial, com a criação de uma unidade monetária municipal e a multiplicação dos negócios locais. Os conflitos sociais com os cidadãos logo se renovaram e agravaram, culminando com a tomada do poder pelo tirano Pisístrato. Foi sob seu governo que emergiu a configuração final da formação social de Atenas. Pisístrato patrocinou um programa de construções que proporcionou emprego para artífices e trabalhadores urbanos e promoveu um florescente desenvolvimento do tráfego marítimo do Pireu. Mas, acima de tudo, proporcionou assistência financeira direta ao campesinato ateniense, na forma de créditos públicos que finalmente confirmaram sua autonomia e segurança na véspera da polis clássica” .

Estudar, presenciar o estudo de Antiguidade e do Pensamento Clássico, traz a mente uma pergunta: “o que fez com que os gregos tivessem a necessidade de criar a filosofia, a política e o espaço público?” Seria essa uma necessidade natural do homem?