segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Pernambuco "Montro Sagrado" do Pandeiro


Chegamos a uma casa aparentemente simples. A simplicidade seu lugar ai motim de cultura que estava por vir. A recepção, cautelosa, nos deixou a princípio reservados do que poderia vir a ter por aquela porta. Mal podíamos imaginar que dentro daquela sala estaria grande parte da história da verdadeira música popular brasileira. Boquiabertos, começamos uma viagem por entre as histórias alucinantes do passado de um homem, músico, pandeirista, personagem, de uma figura esquecida nos seus 81 anos de vida, pela incapacidade de reconhecimento que a sociedade lhe proporciona.
Fotografias penduradas enfileiradas pelos quatro cantos da parede. Foto de pessoas que ao seu lado manifestaram a música e a propagaram mundo afora. Personagens reais de uma vida para a música. Fazem parte ainda desse painel de cultura um espelho iluminado por uma lâmpada vermelha e no centro a imagem de São Jorge, dois quadros moldurando títulos de cidadão uberabense e um pôster do atual presidente da república. Um verdadeiro museu de histórias e causos de Inácio Pinheiro Sobrinho, ou simplesmente e verdadeiramente: Pernambuco do Pandeiro.
Pernambucano ou como ele mesmo diz: “Pernambuqueiro uma mistura de pernambucano com mineiro”, já que foi aqui em Uberaba que ele escolheu morar depois de um show em 1945 na Praça Rui Barbosa, no auge de seu sucesso. Quando terminou de se apresentar disse: “Olha eu adorei isso aqui. Aqui é uma beleza e se um dia eu me aposentar é aqui em Uberaba que eu quero morar. Os anjos devem ter dito Amém”. Desde 1992 ele é nosso vizinho.
Tudo começou mesmo foi no Rio de Janeiro em 1936, onde o ainda Inacinho com 12 anos engraxava sapatos. Contaremos em partes a história de quem merecemos saber. Um cabra que foi homenageado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e que aos 21 anos de idade foi o único pandeirista do mundo a se apresentar na Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro. Tocou dois choros.
Caçula de uma família vinda do nordeste de 19 filhos, além de sua ocupação formal o menino ainda tocava cavaquinho sem nenhum tipo de influência familiar. Naquele tempo, músico era sinônimo de vagabundo e tinha que viver correndo dos interrogatórios anticulturais da polícia (era somente antigamente?). Um dia observando um menino tocar o instrumento percebeu que sua maior habilidade não era aquilo. Apesar das súplicas dos amigos, destemido e envergonhado trocou o cavaco por dois casais de canários.
Em 1937, quando se mudaram do bairro de São Carlos para a famosa lapa (reduto de músicos e boêmios do Rio de Janeiro) e onde os morros eram apenas morros e não favelas, Inacinho foi apresentado ao pandeiro. Como um acerto de contar de seu irmão mais velho com um barbeiro, ele foi receber a dívida: o pandeiro.
Pegou o bonde, passou pelo Quartel General e desceu na rua da barbearia. Ao entrar viu o pandeiro pendurado. Num gesto malandro, fingindo não saber do acordo, perguntou: “E aquele pandeiro lá?” Nunca havia tido com o instrumento em mãos. Quando pegou-o automaticamente ou milagrosamente buntiquitum se ouviu. O barbeiro assustado pergunta se ele já tocava. Depois da resposta negativa ele completa dizendo que o menino era melhor do que o antigo dono do instrumento. Acabou ganhando o pandeiro embrulhado em um jornal.
Chegou em casa batucando. A mãe, incentivando sem querer, elogiou o filho dizendo que ele era melhor naquilo do que no cavaquinho e que tocava melhor do que já tinha visto. Quando começa a batuquear paralisava as pessoas. Tocadores de pandeiro da região o elogiava e teve até um que decidiu parar quando viu Inacinho tocar com seu estilo malabares. Esses mesmos colegas de batuque o incentivaram a ir ao programa “A Hora do Pato” na rádio Mayrink Veiga e conseguir o prêmio. A partir daí sua vida mudaria.
Para se inscrever usou a tática e inventou que era aluno do invencível do programa, propondo assim um desafio. Conseguiu superar os 18 candidatos e ganhou 150 mil reis. Ainda engraxate e estudante no período noturno foi influenciado a visitar o Teatro dos Músicos, que ficava em frente ao Teatro Carlos Gomes e quem sabe participar de algum regional (grupos de músicos). Foi reconhecido como o ganhador do prêmio da rádio e assim bem-vindo ao teatro.
Conheceu Arlindo Ferreira que foi quem o batizou de Pernambuco do Pandeiro, ligando-o ao estado de origem. Houve então o convite para acompanhá-lo a tocar com Araci de Almeida e ganhar o cachê de 15 mil reis, mais ou menos mil reais hoje. Araci o convidou automaticamente para tocar com ela. Menor, ocultava a idade para exercer a música. Tocava até as três da manhã e seu salário passou a ser de 25 mil reis, deixando assim de ser engraxate.
Passou a tocar no Regional de Henrique Xavier Pinheiro, conhecido como Baiano da Viola, mas ainda não satisfeito, gostaria mesmo era de ter seu próprio regional. Pulou para vários outros regionais e tocou com personas como Ângela Maria, no regional de César Faria e Dona Paula (pais de Paulinho da Viola) e Jacob do Bandolim, o flautista Carlos Poyares, o grande violonista Jorge Charuto e suas oito cordas, Francisco Alves, Adoniram Barbosa e Ari Barroso.
Esteve na escola de dança e na Rádio Ipanema, fechada por Getúlio Vargas por ser de propriedade alemã em 1940. Participou do Regional Claudionor Cruz e convidado para o Regional de Benedito Lacerda em 1942. Tocou ainda no Regional de Rogério Guimarães e de Abel Ferreira, “mineiro de Coramandel”. Eram tantos os convites que ele precisou recusá-los. Nesta época um de seus companheiros era ninguém mais, ninguém menos do que Pixinguinha, “um cidadão maravilhoso”.
Em um espaço curto de tempo pdoe ter seu próprio regional onde era o responsável do grupo e dos integrantes. No começo eram apenas três: Pernambuco do Pandeiro, Arlindo Cardoso e Roberto Nunes. Desse trio formou outro regional onde tocou com Caçulinha ainda menino e antes do arcodeão (aquele do Faustão e batizado por Pernambuco por ser o menorzinho do grupo). Na época ele tocava cavaquinho.
Como que com a velocidade da luz, as coisas foram acontecendo. Apresentou com seu regional na TV Record. Fez turnê pela Europa com Carmélia Alves, “a Rainha do Baião e que os jornais alemães se perguntavam ‘que país é esse que se chama Baião’?”. Apresentou obras como Tico Tico no Fubá e Aquarela do Brasil. Foi convidado pela embaixada alemã a se apresentar em Hamburgo. O próprio governo alemão mandou buscá-lo para tocar com Waldir Azevedo (compositor de obras como Brasileirinho e Delicado). Fez apresentações na Inglaterra, França, Bélgica, Espanha, Itália e Suíça. O Regional de Pernambuco do Pandeiro ainda foi convidado a tocar para os jogadores da Seleção Brasileira de Futebol na copa de 58 na Suécia. Compromissos inadiáveis os fizeram não poderem participar. “Eu até tava doido pra tocar na copa. Mas, não deu”.
Em 1956 morou em Portugal por um ano e meio, mais precisamente no Porto. Nessa época apavorado por um agonia, uma certa depressão que lhe teimava acompanhar, teve saudades da família. Passando por cima dos pedidos dos integrantes que passaram a ter um outro responsável, um novo chefe, voltou para a pátria amada Brasil.
Mas a volta para a casa não foi um meio de tirar férias. No outro dia que havia chegado, recebeu o convite onde foi escalado para a Primeira Caravana oficial da Música Popular Brasileira, uma missão do Governo Brasileiro, do então presidente Juscelino Kubitscheck. “Um grande homem, pra mim foi um homem fantástico. Devo tudo a ele. Ele dizia pra mim: Pernambuquinho, músico é pedreiro Valdemar, faz tanta casa e não tem casa pra morar... um dia quando a velhice chegar você vai ter que se aposentar e precisa fazer um pé de meia”. Surgia uma amizade.
Apresentava-se no Catete. Convidou Sivuca e Hermeto Pascoal, “mandei buscar Hermeto no Norte”, para fazerem parte dês eu novo regional. A convite de Juscelilno, Pernambuco muda-se para Brasília em 1959. A princípio seriam o regional exclusivo da Rádio Nacional de Brasília.
O Presidente ainda lhes ofereceu trabalho, que dizia ainda que podiam trabalhar de dia como fiscais e à noite como músicos, por que não? Só que a rádio não deu certo e após cinco meses todos voltaram para o Rio, deixando o amigo Pernambuco na nova capital do Brasil. “A turma não estava gostando do serviço”. Por lá ficou dez anos sem tocar. Nos aniversários do presidente e de suas filhas fazia apresentações. Ganhou a vida como funcionário público até se aposentar. Nesses anos disse por algumas vezes aos que o reconheciam que ele não era o Pernambuco do Pandeiro, que apenas se pareciam. Fez partes de grupos de chorinho, mas o reconhecimento desapareceu no passado e como a poeira das ruas de Brasília que, asfaltadas não tinham mais a imagem que viu quando chegou antes mesmo de sua inauguração.
Presenciamos de perto a história de alguém que fez história. De alguém que teima em permanecer no passado de música e cultura de uma sociedade que diz ser vítima da mídia (será?). Hoje esse tal Pernambuco do Pandeiro vive em sua maloca e tem de seu portão a vista do tipo de investimento uberabense, um certo tipo de capitalismo para as pessoas que não pretendem conhecer cultura e sim viver de aparência. Apaixonado pela cidade, “eu amo Uberaba”, tem ainda em sua parede a companhia das lembranças de fotografias que esperam pelas fotos emolduradas de Edith Piaf, vinis e dos títulos recebidos por participar da cultura da zebulândia. Quem ousar ter a curiosidade em conhecê-lo e conhecer o que faz com o pandeiro, procure-o em um grupo de choro, os únicos a saberem do que é capaz. Um homem que não apenas vive de memória. Com seus 81 anos de plenitude, faz da memória sua maior virtude. Conhecê-lo é poder de alguma forma estar dentro de um passado onde as pessoas eram mais dignas e apreciavam a boa música.

Quando perguntamos por que Pernambuco do pandeiro desistiu de tudo e optou por morar em Brasília recebemos a seguinte resposta:
_ O meu objetivo eram os meus filhos que eram pequenos, que acabaram se formando lá. O êxito que eu não tive, eles tiveram.
E por que não voltou?
­_ Eu não quis voltar. Eu achei que seria considerado um camarada derrotado. O desmanche do grupo foi tão rápido quanto o sucesso. Uma coisa que eu lutei tanto, mais tanto, que tão rápido se desfez.
Que tipo de música o senhor ouve hoje?
_ Olha a música que eu gosto de ouvir mesmo é a que eu toco. Mas eu gosto muito de um clássico. Sabe tem um clássico que eu sempre gostei, mesmo no início da minha vida. São as sinfonias que eu gosto. Gosto muito das serestas. Meu cantor predileto e que me tornei amigo, mas meu amigo mesmo e que conheci quando ele tinha seis anos, foi a primeira vez que ouvi ele cantar e fiquei alucinado, chama-se Sílvio Caldas. Passei a acompanhar ele. Passei a cantar com ele. Quando ele chegava em Brasília ele dizia: “Cadê o Pernambuco e depois: Obrigado Pernambuco!”
E hoje, o que tem de bom e o que tem de ruim?
_ Eu continuo dizendo que a nossa música, a verdadeira música raiz, as raízes, estão se esquecendo, estão se isolando. E ainda lhe digo mais. Tenho o pressentimento que estão tirando a música brasileira dos jovens. Estão fazendo simulações como dizia Ari Barroso: “um desarranjo e não arranjos de músicas”.
Como o senhor vê a música hoje?
_ Coisas que não têm pé nem cabeça. Sem harmonia sem rima. E que não têm como ouvir direito porquê nem rimar não rima. Por que agora qualquer coisa que faz e que se basta em fazer “poeira, poeira, levantou poeira” e que faz o povo cantar isso a noite toda. Pelo amor de Deus!
Ele não tem opção?
_ Por exemplo, devia ter aulas nas escolas que falassem de música brasileira. Perguntei a muitos jovens: já ouviu falar em Pixinguinha, em Ari Barroso, em Waldir Azevedo, em Noel Rosa, Francisco Alves o rei da voz? A resposta é sempre não. Agora se eu perguntar escuta e o Elvis Presley? Ah! Esse eu conheço! Martela, corrói. Eles sabem quando morreu John Lennon mas não sabem quando morreu Pixinguinha. Pixinguinha era tão puro que morreu dentro de uma igreja. O nome dele era Alfredo da Rocha Viana Filho!
O senhor tem muita coisa gravada?
_ Eu tenho muita coisa, mas eu não recebo nada.
Por que?
_ Porque é o seguinte, essa tal de ECAD, o que antigamente era a UBC ou era a Teatral como eles chamavam, a gente ia lá e ainda recebia uns trocadinhos. Hoje a única coisa que gravadora pode fazer é pagar o acompanhante que vai tocar na orquestra ou no conjunto.
E as cópias vendidas?
_ Você não controla. Não existe controle. Ari Barroso fez tudo como vereador, como advogado e não conseguiu. Ninguém consegue. Até fizeram uns discos enumerados, mas não consegue chegar a um fim. Se alguém disser que vendeu 200 mil cópias, isso é conversa mole pra boi dormir, rapaz. A pirataria sempre existiu. Antes eles tiravam cópias, mas tiravam em acetato e que ficava pulando feito cabrito.
O senhor vê diferença entre o vinil e o CD?
_ O CD é uma coisa que impressiona, né? Mas eu acho que o Long Player dava pra controlar mais. Apesar de ser uma coisa muito grande, controlava mais o negócio da pirataria. O CD é muito fácil copiar.
O senhor sente muita saudade dessa época?
_ Sinto muita, sabe por quê? A lealdade era muito grande...
O senhor vê muita mudança?
_ Mudança em tudo.
Hoje o senhor ainda toca?
_ Toco. Eu faço parte quando o meu amigo Osmar Baroni me chama, do Chorocultura. Mas prefiro sinceramente muito mais fazer desafios.
Como o senhor vê a tecnologia? O senhor acha que ela ajuda o músico?
_ Tem coisa que atrapalha. Por exemplo, o playback... o cara chega e canta em cima da música. Aquilo é bom para o cantor, mas para o músico que vive disso, não tem emprego, e que vive exclusivamente da música, desemprega ele. Nas rádios tinham uma orquestra, ou um conjunto que se chamava tapa buraco. Eram dois violões, um cavaquinho, um pandeiro, uma flauta e um arcodeão. Quando um cantor ia se apresentar, o tapa buraco era chamado. Naquela época não tinha nem televisão.
Como o senhor vê o samba, o choro e a MPB de Caetano e Gil?
_ Olha eles são uma turma que defendem as músicas deles. Nunca me ajudaram. Só se ajudam e à música que eles criaram. Gosto muito da Bahia, respeito muito. Mas em todo mundo tem os enganadores. Agora tem muita coisa que não me agrada. Fazer barulho não é cantar. O senhor Gil tem o seu valor, mas não está fazendo nada em prol da música pura popular brasileira. Ele está no poder e pouco está ligando. Até agora eu não vi nada, absolutamente nada a favor.
Se o senhor estivesse no lugar dele, qual seria a primeira providência que iria tomar?
_ Em primeiro lugar deveriam divulgar a música brasileira. Ser aquilo que passou e foi retirado. Um decreto: seria três por uma, tem que tocar três brasileiras para tocar uma estrangeira. E é tudo ao contrário. Eles tocam três estrangeiras e tocam uma ruim que é para o cara mudar. Eu não sou contra, que não tenha, que não venha a música estrangeira. Se nós queremos a nossa lá fora, eles também têm o mesmo direito de divulgar em nosso país. Agora em primeiro lugar eles, em segundo lugar eles, em terceiro lugar eles e nós ficamos em quanto, quinto lugar com uma música ainda ruim? Não, assim ta errado.
Quando começamos a fala de futuro...
_ Gostaria de apresentar um garoto e ai ia ser 81 e 12. As pessoas iam se perguntar: mas que negócio é esse? É porquê o garoto tem 12 anos e é um monstro! Faz tudo que o Waldir fazia e tem 12 anos. Conheci ele num programa do Paulo Otávio em Brasília e o garoto fez maravilhas. Eu até tenho vontade de fazer com ele aquele desafio que eu fazia com o Waldir. Mostrar que o velho aqui... é o 81, 12. O nome dele é Mateus. Eu até disse na hora, mas é o Mateus Maravilha!
Aqui em Uberaba o Choro tem sido aposentado. Tem umas brechinhas e tal... no Mercado Municipal eu fiz um dia, mas... se forçar, rodar, tocar, insistir. Por exemplo, eu fui à Uberlândia pra uma noite relembrando Ari Barroso e Waldir Azevedo e foi uma noite espetacular, Mas aqui é o seguinte, nós já fizemos lá umas apresentações, mas não teve propaganda que é a alma do negócio. O jovem gosta mas não é divulgado, não é comentado, não pressionam. Os garotos só faltam me carregar nos ombros e saírem dizendo: Olha o velhão aqui! Já disse tem que haver público para o choro. Vamos lá fala com o Anderson pra ver se ajuda. Tem que fazer alguma coisa.


* Matéria publicada em janeiro de 2006 em "Noise"

domingo, 23 de dezembro de 2007

Folia de Reis

Folclore para alguns, tradicionalismo religioso para outros, a Folia de Reis está presente no calendário do mundo. Folia de Reis, em sua simplicidade cultural, seria uma espécie de fundamentalismo bíblico que se tornou folclore. Acredita-se que ela tenha surgido antes mesmo do nascimento de Cristo. Sua origem incerta está ligada à noite dos tempos aproveitando de um batuque já existente, poesias em versos. Aquela imagem dos reis Magos seguindo a estrela-guia que os levaram a manjedoura que estavam a Virgem Maria, José e o Menino Jesus com uma vaca, um burro e um carneiro, o presépio, foi a predominante.

O homem aproveitando então desse batuque e da adoração aos Três Reis, sai em 25 de dezembro e retorna em 6 de janeiro celebrando a Folia de Reis. Seguindo o que o Três Magos fizeram para entregarem os seus presentes (ouro, incenso e mirra) ao Jesus Menino, andando por sete dias levando cantoria, prece. Pagando promessas.

Passada de geração em geração a tradição veio parar no Brasil através de Portugal. Toda folia nasce de um voto, de uma promessa. devotos dos Três Reis (Gaspar, Baltazar e Belchior) oferecem a festa como um pagamento de promessa. Para que a festa aconteça visitam casas e fazendas da região em sete dias, pedindo esmola para pagarem a promessa. A última visita é feita ao festeiro que os recebe com festança regada a muito arroz, tutu de feijão, macarrão com frango, bastante carne com mandioca e doces de infinitas qualidades, tudo à vontade e bancado pelo festeiro com a ajuda das esmolas. Bebida não entra. No ínicio rezam o terço, no final forró. O que sobra é doado à intituições de caridade.

A Folia chega acompanhada de sete a doze integrantes com vestimentas que lembram um certo tipo de uniforme. Entre eles está o capitão que é quem comanda a folia e o ofério que é quem vai na frente com a bandeira, que recebe a esmola e que acerta no final com o capitão. Em algumas companhias há ainda a presença do palhaço que anima a folia. As músicas são diferentesm, sempre falando da adoração dos Magos, do nascimento de Jesus e saudando a bandeira.

Em cada estado há tipos de músicas feitas ao som de violão, cavaquinho, sanfona, pandeiro e tambor. No Brasil o estado de Goiás é o mais ferevecente à tradição. Cada companhiaa presenta-se com efeites, bandeiras e roupas chamativas seguindo de instrumentos. As cores das bandeiras são seguidas pelo vermelho (Baltazar), o marelo (Gaspar) e o verde (Belchior). Cada uma representa um rei. Novas composições podem ser bem-vindas.

Há 35 anos organizador de folia de reis, Raimundo Antônio Vieira é fundador da Associação das Companhias de Reis de Uberaba e Região (ACORUR), em Uberaba (MG) e atual presidente. Usa o nome de companhia por não concordar com o nome "folia", acreditando que pode ser comparado à festa, bagunça. Para ele, o sentido da festa está ligado à devoção aos magos.

O devoto dos Três Reis montou a associação em 2000 quando viu que a tradição do folclore estava acabando. Para Raimundo se não houver alguém que concientize a população, organize a folia e converse com os festeiros a tradição tende mesmo em acabar. Sua luta frente à associação conta com poucas pessoas interessadas na cultura da folia de reis e menor ainda é o número de quem se interesse em participar. Sua intenção é montar dentro da associação uma escolinha que ensine às crianças e aos jovens, o universo da Folia e suas músicas. Por falta de ajuda, não pode concretizar seu sonho que necessita de um espaço adequado para tanto.

Supertições fazem parte deste enredo. Dizem que se o dono da casa não recebe a companhia, coisas ruins podem acontecer a ele. Raimundo não acredita nisso e relata alguns milagres que presenciou. Em Goiânia (GO), uma festeira fez a promessa para que seu marido voltasse a andar. Quando a folia cantou aos pés de sua cama, ele levantou-se.

Histórias de má fé também existem. Uma vez ao chegarem em um rancho, uma mulher disse não gostar da folia. Nessa hora um rapáz que estava nadando no rio começou a se afogar. O rapaz foi salvo e a senhora ajoelhou-se em frente à bandeira. Houve ainda um homem que pegou o dinheiro das esmolas para seu próprio benefício. Castigo ou não, perdeu tudo: carro, emprego, mulher. Hoje ele anda atrás da companhia descalço.

Atualmente os Reis Santos fazem seus milagres acompanhando a realidade dos dias tumultuados da modernidade. Há promessas pagas por que o carro roubado foi encontrado e em agradecimento a grande sorte de ter ganhado na megasena.

No Brasil a Folia de Reis está cada ano menos cultuada. Apesar de ser um apís católico, a devoção aos reis é, para se ter uma idéia, maior em Portugal. No mundo inteiro há a tradição da folia. Em países como a Áustria, trio de crianças sai saudando os Três Reis Santos. Uma das crianças pinta o rosto com tinta preta para representar o negro Rei Gaspar.

Para a sociedade em geral cabe fazer sua própria definição do que é Folia de Reis, conhecendo-a. Aos admiradores do folclore participarem e prestigiarem. Àqueles que se dizem preocupados com a cultura local, fazerem algo para que projetos com o do Sr. Raimundo não fiquem apenas no papel.
*Matéria publicada em janeiro de 2006 em "Noise".