domingo, 24 de outubro de 2010

BASTA!

Fazer faculdade de novo, proporciona umas coisas bem mais legais. Não estou falando simplesmente da sucção de aprendizado. Estou falando de interações que nos sensibiliza. Quarta última, durante uma apresentação sobre violência para a disciplina 'Questões Sociais e Realidade Local e Regional', o grupo entregou aos alunos um texto com o título "BASTA". O texto de Betto Barquinn, ator e escritor, fala tudo aquilo que está preso em nossas gargantas. É um arroto onde acredito eu, tudo e todos de nós tem identificação. Fica mais legal se for lendo junto à música. Ótima leitura!
"Eles escravizaram índios e negros. E não falei nada... Eu não tinha nascido. Aí eles tomaram suas terras, exterminaram culturas e civilizações, provocaram o genocídio e o etnocídio dizimador dos grupos indígenas, condenaram os negros ao preconceito de cor, à segregação racial, ao apartheid sócio-econômico da favela-quilombo-senzala. Disseram-me que no Brasil não existe racismo. Percebi que uma pessoa preconceituosa não tem idéia do horror e da humilhação, que é ser descriminado pela cor da pele. E não falei nada... Eu não era negro. Eles quiseram calar os intelectuais com a Ditadura. E não falei nada... Eu não era Pensador. Eles transformaram o país numa piada internacional. E não falei nada... Eu não achei engraçado. Eles tratavam suas empregadas domésticas como se elas fossem lixo. E não falei nada... Eu não era domesticado. Eles fingiram não ver os morros crescendo sem a menor estrutura humanitária. E nem o ódio nascendo no barraco ao lado. Fizeram a mídia do cartão-postal para gringos. E esqueceram de cuidar de seus habitantes, proporcionando-lhes saúde, habitação, saneamento básico, educação, auto-estima, cultura, esporte, trabalho, dignidade, segurança, comida... Achavam lindo ver garotos subnutridos fazendo malabarismo no sinal fechado. Dotados de fisiologismo de tribuna, aplaudiam. Afinal, nunca se sabe qual deles vai parar na geladeira do IML, engrossando as estatísticas e superlotando o freezer dos indigentes. Em troca de votos, praticavam a caridade que dá miséria - aos miseráveis. Quando a desordem social virou guerra civil, eles se trancaram em seus castelos blindados, e mandaram os filhos para a segurança de um paraíso fiscal. E eu que achava que não tinha nada haver com isso, não falei nada. Agora, a violência espedaçou-me profundamente, levando numa bala perdida, a liberdade de poder caminhar com minhas próprias pernas. BASTA! Não vou mais ficar calado! No segundo que alguém é vítima da violência – a humanidade primeiro fica órfã. Não adianta chorar pelo sangue derramado. Temos que agir. Uma pessoa armada é uma arma! Desarme-se! A vollência é um fenômeno passageiro. A paz é eterna! Eu não sou objeto. Sou sujeito! Moro no Rio de Janeiro, sou carioca, cidadão brasileiro, e vou viver pela PAZ.
BASTA! Minha faixa diz: BASTA! Meu coração diz: BASTA! Minha paz diz: BASTA! Não vou me "despacificar". O meu amor por ti me basta! A tua alma em mim se encaixa. BASTA! de violência. Basta! de incoerência. Basta! de preconceito. Basta! de tortura. Basta! de impunidade. BASTA acreditar para o milagre acontecer. BASTA se amar para ter a paz em você. BASTA olhar o outro para a si mesmo enxergar. E se isso tudo não lhe basta, antes mesmo de querer mudar o mundo, mude o seu interior! Mergulhar em si mesmo já basta, para descobrir que o melhor lugar do mundo está dentro de você. Então o teu amor por mim me basta, a minha alma em ti se encaixa. BASTA!
Eu sou DA PAZ, eu sou DO BEM, sou tudo aquilo que o amor contêm. Você é DA PAZ, você é DO BEM, você é DO AMOR, e de mim também. BASTA! de liberdade vigiada, de cidade sitiada, de palavrão moral e cívico. BASTA! de miséria nas calçadas, de desordem e regresso, de multidão desempregada, enterrando-se no progresso. BASTA! de censura sublinhada, de egoísmo indigitado, de atropelo e engano, de humano desumano; assassinando o ser humano. BASTA! de tolerância maquiada, de inclusão desocializada, de política antropofágica. BASTA! de pessoas gananciosas, vingativas, bélicas, frias e calculistas. BASTA! de Brasil sem brasileiros, de analfabetos sem história, de crianças saciando a fome cheirando cola. BASTA! de adultos sustentando o crime, armados com drogas, e de balas perdidas encontrando seus alvos, na porta das escolas. BASTA! Se você concorda comigo: R.S.V.P! Se você quer paz: R.S.V.P! Se você quer um país aonde possa ser feliz: R.S.V.P.! Se você está cansado de ser desrespeitado:
Répondre s'il vous plait!
BASTA não esquecer a dor de Luciana Gonçalves de Novaes, baleada na cantina da Universidade Estácio de Sá no Rio Comprido. Basta não esquecer a dor de Gabriela Prado Maio Ribeiro no Rio de Janeiro. Basta não esquecer a dor de Alana Ezequiel em Vila Isabel. Basta não esquecer a dor de Vanessa Calixto dos Santos na Cidade de Deus. Basta não esquecer a dor de Vladimir Novaes de Araújo em Bonsucesso. Basta não esquecer a dor da doméstica Sirley Dias, covardemente espancada e roubada por jovens de classe media alta na Barra da Tijuca. Ou, a dor do índio Galdino incendeado em Brasília. Ou, a dor do turista italiano, Giorgio Morasse, atropelado e morto por um ônibus, após reagir a um assalto no calçadão de Ipanema. Ou, a dor da professora Vitória Marques, morta com um tiro na cabeça e outro na barriga, após tentativa de assalto em Botafogo. Ou, a dor do menino Hugo Ronca Cavalcante de 12 anos, atingido por uma bala perdida na cabeça dentro do Clube Federal no Alto Leblon, morto após sete dias em estado de coma. Ou, a dor do flamenguista Germano Soares de Souza, 43 anos, agredido numa briga de torcedores no centro do Rio. Ou, a dor dos travestis Maycon Teixeira Karam Mendes, de 20 anos, e Alex Eduardo Silva, 38 anos, assassinados em Jacarépagua, zona oeste do Rio. Ou, a dor da menina Ágata Marques dos Santos, 11 anos, morta após ser atingida por uma bala, durante operação policial na Rocinha. Ou, a dor de Lucas Maiorano, 17 anos, morto por overdose de ecstasy numa rave em Itaboraí. Ou, a dor de Isabella Nardoni, 5 anos, assassinada em São Paulo num crime hediondo, torpe, cruel e sem chance de defesa, que enlutou à família brasileira. Ou, a dor dos milhares de homossexuais assassinados, simplesmente, por serem homossexuais. Ou, a dor das mulheres que apanham de seus maridos. Ou, a dor dos filhos que apanham de seus pais. Ou, a dor dos pais que apanham de seus filhos. Ou, a dor da vítima mais recente de hoje, cujo crime o Jornal Nacional acaba de anunciar, e que infelismente, não foi o último. Ou, ainda, a dor de todos os outros... pobres, ricos, negros, brancos, fiéis e ateus, que perdem todos os dias pelas raias do progetil, os afetos seus, na bala perdida do fuzil.
BASTA conjugar o verbo amar em todas as pessoas e em todos os tempos verbais. BASTA não ser invejoso. BASTA não ser mau agradecido. BASTA dizer: Por favor. Basta dizer: obrigado. BASTA fazer de si e do outro um ser humano melhor. BASTA saber que se você trata bem alguém, esse alguém te dá o melhor que ele tem. BASTA promover à inclusão digital. BASTA entender que a democracia é tão essencial quanto o ar que se respira. BASTA ser otimista. BASTA não ser avarento. Porque tem gente que é tão pobre, mas tão pobre, que só tem dinheiro. Basta de aquecimento global. Basta respeitar o protocolo de Quioto. BASTA acabar com a fome e a miséria. BASTA proporcionar educação de qualidade para todos. BASTA reduzir a mortalidade infantil. BASTA dialogar. BASTA que o horário eleitoral gratuito seja pago. BASTA apoiar a Lei Rouanet. Basta não ser um número de série. Um ordinário. Um sem referencial. Um sem alma. Um robô ôco de carne e osso. Um objeto-abjeto. BASTA ao ministério da cultura entender, que não só de cesta básica que se vive o homem. Mas de circo, teatro, MPB, literatura, artes plásticas, balé, cinema, ópera e acarajé!
BASTA! Por você, por mim, pela natureza, pela vida, por eles, por nós... Eu digo BASTA! Eu digo BASTA! BASTA!"