terça-feira, 19 de março de 2013

Helenismo - nascimento do conceito grego dentro das culturas


Busto de Alexandre
Quando Alexandre Magno morre em 323 a.C., o “senhor da Macedônia, da Grécia, da Ásia Ocidental e do Egito” (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 145) deixa suas fronteiras à beira daquilo que talvez, nem ele e muito menor seu falecido pai Felipe II, poderiam se quer imaginar. Nascia junto à sua morte o período helenístico que emprestava toda a culturalidade grega e suas propriedades, a outros territórios que pretendiam se identificar e imitar aquela que até então era a mais bem feita forma de governança. Na verdade, muito do que o mundo contemporâneo é, mesmo nos dias de hoje para alguns. É o que o historiador Moses Finley comenta no capítulo 8 de seu livro ‘Os Gregos Antigos’:

A sua curta vida passara-se totalmente em campanhas. Se possuía algum programa de vasto alcance, quer para a organização do seu império ou para conquistas futuras, quer para a sucessão no trono, os planos morreram com ele. Parece que depositava inteira confiança nos generais e soldados macedônios e confiava pouco nos gregos e que se preparava para dar acesso à nobreza persa. Contudo, os vários projetos que os estudiosos modernos gostam de atribuir a Alexandre são altamente especulativos, sem fundamentação séria em provas existentes. De qualquer modo a morte de Alexandre pôs termo a esses possíveis planos e ao seu império.

Meio século de lutas emergiu o modelo territorial e militar helenístico. Apesar de ser considerada por M. Finley como “fastidiosa, monótona e, por vezes, repulsiva, de guerra contínua, má fé e assassinos freqüente” (Os Gregos Antigos.Lisboa: Edições 70, 1963, p. 146), a história política helenística foi levando para os reinos através de lutas, o aumento de seus territórios a custa de outros. Muitos desses tentaram movimentos de independência, todos com muitas batalhas. Foram sendo implantados os elementos característicos da polis grega como a ágora e os templos, além da língua que se tornava oficial.
O Império Macedônico
As conquistas acentuavam-se intensamente, por meio do domínio macedônico/grego, originados pela genuinidade de Alexandre. E foram essas conquistas que resultaram uma cultura vasta, feita por persas, judeus, celtas e egípcios, tendo como base cultural o grego, que permite estruturar toda a culturalização do Mediterrâneo, com o padrão grego original.
“A realidade, contudo, era decididamente não grega.” (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 147). Prova disso são as cidades helenísticas, que ao invés de terem a idéia de polis como uma organização política e uma concepção de sociedade, funcionavam como centros administrativos, não possuindo, portanto, poder de decisão. Mesmo assim, as cidades helenísticas continuam realizando assembléias. A soberania não está mais na ágora e mesmo considerados cidadãos, os mesmos não tinham autonomia.
A grande expansão grega é a polis. Como essa de fato não permanece nas cidades helenísticas, surge o conceito de ‘continuação helenística diluída e modificada’ à maneira grega, perdendo assim o status de cidade clássica grega para o conceito de poderio único de uma autoridade ou de um soberano. Mesmo com a realização de assembléias e não desaparecendo os termos de magistrados para a decisão de assuntos da esfera local, na era helenística as cidades perdem a soberania política para se converter a uma esfera administrativa. Como por exemplo, com o tratamento das questões militares que eram decididas após uma posição de Atenas. M. Finley traduz o nascimento do conceito que ilustra o modelo de governo do Império Romano:

M. Finley - 1912-1986
Apenas no continente grego e nas ilhas do Egeu (sobretudo Rodes) se lutou com alguma conseqüência para manter a vida política grega tradicional. Onde quer que a dinastia Antigónida obteve o controle total, o modelo helenístico prevaleceu, porque os Antigónidas se tornaram (ou tentaram tornar-se) tão absolutos como os seus rivais do Oriente. Contudo, a sua situação era significativamente diferente: na pátria, onde tinham a base, continuavam reis macedônicos, governando macedônicos, sem poder assumir o estilo de Próximo-Oriente de autoridade absoluta; e, no território grego conquistado, não havia população grega. Muitas vezes, o seu controle era escasso, por vezes até nem existia, numa ou noutra região, de modo que, até a conquista pelos romanos, nos meados do século segundo a.C., se pode falar de uma continuação da polis Grécia, embora diluída e modificada.

Grande parte das conquistas se fez devido a posições de segurança que expressavam sob a cultura aliada, que eram vistos como bárbaros pelos gregos. O helenismo trazia a retirada da soberania política, o aparecimento de um ser até então não conhecido – o Imperador e a renúncia do mundo em busca de uma razão interior. Foi esse relacionamento entre a cultura grega e as culturas nativas que mais adiante dá nome a uma filosofia. A estrutura de monarquia helenística e seus cultos aos monarcas que Alexandre deixou firme (quando se elevou filho de Zeus, pelos sacerdotes de Zeus-Amón identificando as duas culturas – grega e egípcia), pode ter sido o primeiro passo para o que chamou-se Estoicismo.
Diferente da polis grega, as cidades helenísticas diferenciam política de religião. É na era helenística que nascem as religiões com uma visão universal, sem radicais determinantes de cidade, região ou país. A polis, como perdera a qualidade de poderio, não capacitava mais ser o centro da vida espiritual do homem. A filosofia e a religião helenística davam a consolação e a esperança a um mundo em que as perspectivas materiais eram débeis e a política já não era objeto de análise racional, em que, por conseguinte, a ética tinha de se divorciar da sociedade e ainda mais da política corrente (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 151). M. Finley comenta:

No mundo helenístico, com sua população muito heterogênea e os seus antecedentes históricos mistos, as possibilidades de confusão, de mescla do humano e do divino, do sagrado e do secular, não tinham limites. Sejam quais forem os matizes, subsiste o fato de que o culto do governante se tornou parte integrante do politeísmo helenístico, junto de todos os setores da população.

Esses relacionamentos culturais marcam o fim do período helenístico. A evolução em decurso paralelo que geram o estoicismo garante a principal escola filosófica dos romanos, que como os judeus, não vão negar suas culturas e utilizam a cultura grega não como única, e sim, como aperfeiçoamento de suas idéias. Ao unir as culturas, os romanos não abdicam, por exemplo, a própria língua, mas somam a língua grega às suas culturas. O estoicismo fundado por Zenão no século III a.C., preconizava a indiferentismo ao prazer e a dor. Uma resignação na dor e na adversidade. M. Finley ilustra a filosofia do estoicismo aos olhos dos romanos, numa doutrina de vocação e dever, sobretudo para os governantes (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 152).

Para esses homens de ação, obviamente, a fraternidade humana e a regra da razão natural tinham tonalidades muito diferentes das do primeiro estoicismo. O objetivo agora era encontrar uma base moral sobre o qual governar um império, e após Augusto ter estabelecido um governo monárquico em Roma, ela restringiu-se ainda mais ao governo por um monarca absoluto. O rei, que também era um filosófico, tornou-se o estóico ideal, assim como o Cínico.

Arte helenística 
A “criação” do grego surge aproximadamente no século V a.C. sendo sua formação resultado da junção de vários povos. Desta forma, com a queda dos domínios gregos, surge o domínio romano. São os romanos que vão herdar as formas de relação dos gregos – como no caso de Alexandre e as relações de organização das póleis. A conquista gradual do mundo helenístico inundou Roma e a Itália com as idéias gregas, as obras de arte gregas e escravos falando grego. (...) é impossível discutir as idéias romanas separadamente dos seus modelos ou inspiração gregos (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 152 e 153).
Assim, o Império Romano foi pouco a pouco se beneficiando do helenismo que resultou na invasão do território grego e, todavia, com o fim do período helenístico. Nascia uma nova era. Uma era ocidental. O imperialismo romano criado através do processo de expansão trouxe consigo características que resultaram em camada senhorial, referências do que se tornava a aristocracia imperial romana. Junto dela, a escravidão de povos conquistados ou por dívida dava forma para aquele que seria o maior de todos os impérios. Um terço da população da península itálica é feita por escravos por diferentes formas de exploração de trabalho.

A escravidão não só influenciou a vida romana, como a vida romana influenciou a escravidão. A polis Roma nasce como uma junção de propriedades. Conforme vai se transformando em polis, o ‘cidadão’ romano pobre e escravo vai perdendo essa condição. E a escravidão por dívida é a primeira forma de escravidão conhecida em Roma e vai sendo abolida com o tempo. Passam a se organizar politicamente, transformando-se economicamente, inclusive conforme vão sendo participativos nas guerras. Os escravos por dívida pleiteiam suas participações políticas, num processo que durou aproximadamente uma década.

A origem da escravidão surge com as tensões e os conflitos sociais, oriundos da expansão militar. Fábio Joly em A Escravidão na Roma Antiga (São Paulo: Alameda, 2005) comenta a origem daquela que seria a relação de dominação permanente e violenta de pessoas desraizadas e desonradas. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.33).

Os historiadores acreditam que a plebe romana tenha sua principal origem no constante afluxo de populações vizinhas em direção à cidade, o que levaria a conflitos sociais com as aristocracias latinas e etruscas aí estabelecidas.

Assim, a escravidão em Roma foi tendo um caráter pessoal e distinto. Foi se tornando uma conquista política e de certa forma, tão presente na história de Roma. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.34).

Contudo, sustenta-se que a escravidão sempre presente na história romana. (provavelmente mais decorrente de dívidas do que da captura em guerras, embora esta tenha sido uma fonte), complementando a mão-de-obra do camponês, formada por membros de sua família e por clientes. Com o fim da monarquia etrusca e o crescimento do território por meio de campanhas militares, ter-se-ia consolidado em algumas áreas da Itália uma forma de exploração do trabalho mais calcada na escravidão-mercadoria.

www.historiaescravos.blogspot.com
O poder e as formas dele iam sustentando o crescimento não só da escravidão, mas do crescimento populacional de Roma e seus territórios. E a dependência ou não desse processo, cabia a senhor relacionar com seus escravos. Em alguns casos, há presença de escravos independentes. A independência desses escravos pode ser resumida pela observação dos senhores em perceber que o bom relacionamento com seus escravos os preveniam de rebeliões e revoltas. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.35).


Formou-se então, encabeçado por Roma, um complexo sistema de territórios com povos e cidades aliadas que deviam tributos e serviam nas legiões. Por meio de uma política de não-intervenção direta que permitia relativa autonomia local, Roma construiu sua base de poder e centralizou recursos financeiros e militares.

Formas de conquista e dominação garantiam certos tipos de relações de integração com a população, principalmente em torno da terra. Com a intenção de legitimar o senso romano, várias alternativas foram levando os senhores a ter a relação de poder com seus escravos, inclusive de liberdade. Ou algo que lembrasse isso. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.38).

Logo, impôs-se que a idéia de liberdade, naquele período da história romana, referia-se muito mais a uma liberdade perdida do que propriamente a uma oposição com a escravidão-mercadoria, que então iniciava sua penetração no tecido econômico e social de Roma. Essa última forma de exploração do trabalho acentuou-se entre os séculos III a.C., momento característico, pela apropriação do ager publicus (terra pública) por grandes proprietários em detrimento do campesinato-cidadão cada vez mais empenhado nas lides bélicas.

Foram dessas relações que surgia a idéia do bom relacionamento entre senhores e escravos, como forma de impedir fugas e rebeliões. O acontecimento em 73 a.C., onde gladiadores se entregavam à derrota como forma de revolta e que teve como castigo a crucificação de seis mil corpos, foi visto como exemplo e de onde comunidades foram criadas, recebendo escravos fugitivos. Essas rebeliões eram também compostas por camponeses. O dilema de todos resumia-se na participação nos problemas a serem resolvidos entre as guerras, as conquistas e as reflexões sócio-política e onde Cícero comenta em suas obras, ou escravidão moral. Na íntegra nada mais era do que a forma de tratamento da questão escravidão, vista pelos romanos e por Aristóteles como algo natural. Tudo girando em torno do que todo o império era: uma grande comunidade cívica, guerreira e política. Tão política que recompensava com a liberdade aqueles escravos que fossem considerados honestos e obedientes (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.41).

Fabio Joly
(...) com as conquistas romanas, o afluxo de escravos e as revoltas servis, compreende-se por que então justificar a escravidão significava necessariamente justificar o imperialismo romano e o papel de liderança que nele tinha a aristocracia. (...) Todos aqueles que pertencessem a cidade hostis eram moralmente indignos (improbi), agiam injustamente e logo eram passíveis de ser derrotados e escravizados. Vê-se que a teoria ciceroniana da escravidão combina dois componentes da ideologia da nobilitas: a comunidade cívica e a guerra.
Se, por um lado, a escravidão é uma punição justa àqueles que colocam em risco a cidade, por outro, é um estágio temporário para que os vencidos possam inserir-se na comunidade dos vencedores, moralmente superior. Diz Cícero que a liberdade é a recompensa daqueles prisioneiros de guerra que se mostraram honestos e diligentes. Ora, remete-se aqui à identidade entre libertas e ciuitas que a manumissão do escravo podia operar na Roma antiga.
Enfim, a escravidão transparece no pensamento ciceroniano como uma questão política, pois decorre de um processo de expansão territorial e cooptação de novos elementos para a comunidade romana. Como observaram alguns estudiosos, a ruptura com a teoria aristotélica é clara e destaca ainda mais a particularidade da escravidão romana ante sua correspondente grega. Para Aristóteles, na Política, a escravidão é uma instituição fundamentalmente doméstica, fora dos limites da polis. A relação senhor-escravo é uma comunidade entre um que comanda por natureza e outro que, pelo mesmo princípio, é comandado, e cuja finalidade é a sobrevivência.

Todavia, muitas fontes contestam a naturalidade da escravidão em Roma e os bons tratos que escravos receberiam de seus senhores. Indubitavelmente, o trabalho compulsório e a violência – inclusive sexual – sempre acompanharam a história da escravidão romana (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.58).
A escravidão, além de dívidas e da conquista, também era feita entre casais. A mulher da Roma Antiga depois que esposava-se, tornava-se propriedade do marido e do senhor dele e devia obediência aos dois, sendo vista com ‘escrava’ e não passando apenas de um elemento da casa. Os filhos frutos do casamento como eram cidadãos romanos, eram vistos pelo império como filhos de Roma, portanto, estavam também sob o poder.
Assim, a escravidão está em Roma como Roma está na escravidão. O colonato resume bem isso. Entre os romanos, o método de exploração da terra e o tipo de relação social de produção em que o colono e sua família ficavam ligados, era perpetuamente relacionado à terra que cultivavam – sendo essa uma consideração das formas de transição do escravismo à servidão feudal. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.74):

Se por uma lado a pauperização de setores dessa população tornou a partir de certo momento desnecessária a escravidão, por outro, as transformações nessa instituição, estabelecendo novas trajetórias para escravos e libertos, como aquela possibilitada pelos Latini Juniani, também desempenharam um papel nesse processo histórico que, por final, acabou culminando na servidão medieval.
Cidade helenistica-romana de Hierapolis

Se a escravidão em Roma tinha um caráter político, o regime imperial decreta a morte da política. Joly ao citar Finley no último parágrafo do capítulo “Escravos e libertos na economia” ao falar da mudança de escravidão para colonato, finaliza mostrando como essas transformações estabeleceram as trajetórias desse que junto com a história da política em Roma, foi também importante para a sua história na antiguidade.