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As origens de conceitos que
hoje vemos como algo tão natural, tais como a civilização e a política, surgem
numa época distante, e que, foram marco importante para o que conhecemos hoje.
As concepções que temos desses que são para nós termos já tão discutidos e de
convivência desde os primórdios, teriam suas primeiras percepções entre os
séculos IX e VII a.C. Uma pergunta aguça nossa curiosidade: o que fez com que
os gregos tivessem a necessidade de criar a filosofia, a política e o espaço
público?
Braudel (Gramática das Civilizações. São Paulo: Martins Fontes, 2004), vê o
Mediterrâneo antigo como um conjunto de conquistas. Para ele a sociedade
modifica o ambiente. Ainda que a geografia não interfira o meio, ela modifica e
se relaciona com a história. A palavra ‘civilização’, tem origem na
antiguidade, mas somente no século XVIII durante o Iluminismo na Franca, a
palavra cria significação e surge como é vista hoje. Falar em civilização é
falar em espaço, que não permanece alterado, mas, muda. As tensões sociais geram
as primeiras civilizações, que são econômicas e materialistas. Além de espaços,
economias e sociedades, a civilização também é mentalidade coletiva que são
ainda, relações coletivas.
Muito antes de se conhecer os
conceitos de política e civilização, o chamado “milagre grego” nas suas formas
de falar e escrever deu ao mundo duas facetas: os lineares Alfa e Beta (A e B).
Esses dois lineares deram à Grécia suas peculiaridades, personalizando e dando
ao grego as propriedades que desde a antiguidade o coloca como diferencial na
história da humanidade. Mas, esse povo tão respeitado pelas suas conquistas
eram na verdade, povos imigrantes mestiços oriundos da mistificação de tribos e
de etnias tanto do Ocidente quanto do Oriente. Podemos perceber isso citando
Jean-Pierre Vernant em “As Origens do Pensamento Grego”, já no primeiro
capítulo, página 13:
No começo do II milênio,
o Mediterrâneo não marca ainda em suas duas margens uma separação entre o
Oriente e o Ocidente. O mundo egeu e a península grega se ligam sem
descontinuidade, como povoação e como cultura, de um lado com o planalto
Anatólio, pela série das Cíclades e das Espórades, e de outro, por Rodes, pela
Cilícia, por Chipre e costa norte da Síria, com a Mesopotãmia e o Irã. Quando
Creta sai do Cicládico, em cujo decurso dominam as relações com a Anatólia, e
quando constrói em Festos, Mália e Cnossos sua primeira civilização palaciana
(2000-1700), permanece orientada para os grandes reinos do Oriente Próximo.
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Creta lhes revelou um
modo de vista e de pensamento inteiramente novo para eles. Já se esboçou esta
cretização progressiva do mundo micênico
que resultará, após 1450, numa civilização palaciana comum na ilha Grécia continental.
Ainda não existia a polis e para Vernant, “enquanto não
existiam as cidades, não existia a política”. O surgimento do que seria a polis acontece com a crise da soberania
e o desaparecimento do ánax. Surge a
ideia do corpo social, o uno.
Poder de conflito –
poder de união. Eris-Philia: essas
duas entidades divinas, opostas e complementares, marcam como que os dois pólos
da vida social no mundo aristocrático que sucede as antigas realezas. A
exaltação dos valores de luta, de concorrência, de rivalidade associa-se ao
sentimento de dependência para com uma só e mesma comunidade, para com uma
exigência de unidade e de unificações sociais.
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Refletido essas expressões, o
grego vê a implicação de uma centralização política e administrativa. Junto
nasciam os conflitos, a disputa por meios de produção e o acesso ao território
e sua defesa. O comum deve ser o comum de todos. Os palácios não têm mais o
efeito de oponente e surge a centralização da cidade: a Ágora. Como o espaço da Ágora
definido, “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental: descobre um
novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade
já é, no sentido pleno do termo, uma polis.”
(As Origens do Pensamento Grego. São
Paulo: DIFEL, 2010, p. 51).
“O conflito foi uma das chaves
da história das cidades-estado” (História
da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 36). Em contrapartida, todos
eram iguais. Norberto Luiz Guarinello no capítulo ‘Cidades-Estado na
Antiguidade Clássica’, comenta ainda:
É um período de grandes
transformações econômicas e sociais, quase uma revolução. Assim como os
Estados-nacionais devem sua consolação, senão sua formação, à industrialização,
ao desenvolvimento do capitalismo e á expansão imperialista da Europa no século
XIX, as cidades-estado também surgiram num quadro de grandes mudanças
econômicas e sociais, ainda que suas novidades seja, hoje, difícil de perceber.
“As cidades-estados surgiram,
assim, num quadro de crescimento econômico e social” (História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 32).
O termo “cidade-estado”
não se refere ao que hoje entendemos por “cidade”, mas a um território agrícola
composto por uma ou mais planícies de variada extensão, ocupado e explorado por
populações essencialmente camponesas, que assim permaneceram mesmo nos períodos
de mais intensa urbanização no mundo antigo.
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A organização comunitária traça
o panorama do conceito de cidade-estado. Sua formação através de associações de
proprietários privados da terra dava acesso apenas àqueles que fossem membros
da comunidade. Fechadas, as cidades-estados se erguiam e se estruturavam entre
indivíduo e comunidade. Tudo era a mesma coisa, desde que o indivíduo fosse
visto como cidadão, e, a ausência de um poder superior gerava conflitos. Eram
os interesses em conflito que geravam as disputas internas, oriundos pelas
regras de exclusão e inclusão do no espaço público.
Indivíduo e comunidade,
portanto, não se negavam reciprocamente na cidade-estado antiga, mas, se
integravam numa relação dialética. O indivíduo, proprietário autônomo de seus
meios de subsistência e de riqueza, só existia e era possível no quadro de uma
comunidade concreta – que possuía, por assim dizer, de modo virtual o
território agrícola. Propriedade individual da terra, fechamento do acesso ao
território e ausência de um poder superior que regulasse as relações entre os
camponeses foram os fatores essenciais na história dessas comunidades
camponesas.
Três fontes de diferenciação
interna ilustram a diferenciação nas cidades-estados. A primeira, a das
mulheres que, embora, tinham sua posição diferenciada em cada cidade,
permanecida à margem da vida pública, sem direito á participação política, sem
direitos individuais, sob tutela e dominadas pelo homem que considerava o lar
como o único apropriado ao gênero feminino. Consideradas membros menores da
comunidade, eram consideradas não-cidadãs.
O segundo elemento de conflito
surge com a diferenciação de jovens e idosos dentro do controle das
cidades-estados. Como eram fundadas e legitimadas nas tradições, os velhos
tinham domínios sobre os jovens e mesmo sobre questões como as militares.
O terceiro elemento de conflito
é o mais importante, pois tem suas origens na propriedade privada da terra – o
principal meio de produção e responsável pelas relações de trabalho com a
comunidade.
Desde que temos
registros, escritos ou arqueológicos, as cidades-estados aparecem marcadas por
profundas clivagens sociais: grandes, médios e pequenos proprietários, estes
últimos, muitas vezes, no limiar da subsistência; camponeses sem terra, que
alugavam sua força de trabalho para um grande senhor; e os não camponeses, como
artesãos e comerciantes, que habitavam o núcleo urbano e cuja posição, no seio
da comunidade, foi sempre ambígua.
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Mais que uma cidade, a polis é uma ideia política. Uma
concepção de sociedade. Aristóteles via
como uma comunidade de cidadãos. Com o
processo de formação da polis a ideia
de propriedade privada, faz da terra uma comunidade de proprietários, que a
defendem sem a presença de um soberano/rei. Sem a presença desse ‘rei’(ánax), os problemas eram resolvidos pelo
coletivo. Aparece ainda o cerco do território, dando-se a organização da
comunidade que não mais pertence a uma tribo ou coisa parecida.
A polis tem a identidade do coletivo. Na parte mais alta da polis, a Acrópole, essa ideia é um pouco minimizada, mas ainda sim, formada
por coletivos. As poleis têm toda a
identidade de seus cidadãos, além de ser uma sociedade política. A ideia de Política do mundo antigo não tem raízes
concretas. Moses Finley, em Política no
Mundo Antigo comenta as fontes que não são claras em dizer quem foram de
fato os percussores do conceito de política.
A política, no sentido
que lhe damos, insere-se nas atividades humanas do mundo pré-moderno. Com
efeito, foi uma invenção grega ou, talvez mais corretamente, invenções
independentes de Gregos, de Estruscos e/ou Romanos. Segundo se presume,
existiam outras comunidades políticas no Próximo Oriente, pelo menos entre os
Fenícios, que depois trouxeram as suas instituições para Catargo, no Ocidente.
E completa: “As fontes não nos
dão grande ajuda. Os Gregos e os Romanos inventaram a política e, como todos
sabem, inventaram também a história política, ou antes, a história da guerra e
da política. Mas aquilo que todos sabem é impreciso: os historiadores que se
dedicam à Antiguidade escreveram sobre a história dos planos políticos (policy), o que não é o mesmo que
política (politics); escreveram
primeiramente sobre os planos de política externa, ocupando-se da mecânica da realização desses planos (à
parte os discursos no Senado ou na Assembléia) apenas em momentos de conflito
agudo com tendência para a guerra civil” (Política
no Mundo Antigo. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 71).
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A história da Grécia Antiga é
única e limitada a uma região que demarca o mapa do mundo. Todavia, não é a
história do mundo nem da humanidade. Duas visões dão o sentido da
historiografia para a antiguidade clássica. Braudel vê a necessidade do
historiador em ter uma percepção multidisciplinar, através da sociologia, da
filosofia, da psicologia e da antropologia. Para Guarinelo, “Se há contribuição
cabível ao historiador da Antiguidade, é justamente aproximar dois mundos
diferentes, mantendo sempre a consciência dessa distinção, e evidenciar
processos históricos que podem iluminar os limites e as possibilidades da ação
humana no campo das relações entre indivíduos. (História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 29).
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