Busto de Alexandre |
Quando Alexandre Magno morre em
323 a.C., o “senhor da Macedônia, da Grécia, da Ásia Ocidental e do Egito” (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70,
1963, p. 145) deixa suas fronteiras à beira daquilo que talvez, nem ele e muito
menor seu falecido pai Felipe II, poderiam se quer imaginar. Nascia junto à sua
morte o período helenístico que emprestava toda a culturalidade grega e suas
propriedades, a outros territórios que pretendiam se identificar e imitar
aquela que até então era a mais bem feita forma de governança. Na verdade,
muito do que o mundo contemporâneo é, mesmo nos dias de hoje para alguns. É o
que o historiador Moses Finley comenta no capítulo 8 de seu livro ‘Os Gregos
Antigos’:
A sua curta vida
passara-se totalmente em campanhas. Se possuía algum programa de vasto alcance,
quer para a organização do seu império ou para conquistas futuras, quer para a
sucessão no trono, os planos morreram com ele. Parece que depositava inteira
confiança nos generais e soldados macedônios e confiava pouco nos gregos e que
se preparava para dar acesso à nobreza persa. Contudo, os vários projetos que
os estudiosos modernos gostam de atribuir a Alexandre são altamente
especulativos, sem fundamentação séria em provas existentes. De qualquer modo a
morte de Alexandre pôs termo a esses possíveis planos e ao seu império.
Meio século de lutas emergiu o
modelo territorial e militar helenístico. Apesar de ser considerada por M.
Finley como “fastidiosa, monótona e, por vezes, repulsiva, de guerra contínua,
má fé e assassinos freqüente” (Os Gregos
Antigos.Lisboa: Edições 70, 1963, p. 146), a história política helenística
foi levando para os reinos através de lutas, o aumento de seus territórios a
custa de outros. Muitos desses tentaram movimentos de independência, todos com
muitas batalhas. Foram sendo implantados os elementos característicos da polis grega como a ágora e os templos, além da língua que se tornava oficial.
O Império Macedônico |
As conquistas acentuavam-se
intensamente, por meio do domínio macedônico/grego, originados pela genuinidade
de Alexandre. E foram essas conquistas que resultaram uma cultura vasta, feita
por persas, judeus, celtas e egípcios, tendo como base cultural o grego, que
permite estruturar toda a culturalização do Mediterrâneo, com o padrão grego
original.
“A realidade, contudo, era
decididamente não grega.” (Os Gregos
Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 147). Prova disso são as cidades
helenísticas, que ao invés de terem a idéia de polis como uma organização política e uma concepção de sociedade,
funcionavam como centros administrativos, não possuindo, portanto, poder de
decisão. Mesmo assim, as cidades helenísticas continuam realizando assembléias.
A soberania não está mais na ágora e
mesmo considerados cidadãos, os mesmos não tinham autonomia.
A grande expansão grega é a polis. Como essa de fato não permanece
nas cidades helenísticas, surge o conceito de ‘continuação helenística diluída
e modificada’ à maneira grega, perdendo assim o status de cidade clássica grega
para o conceito de poderio único de uma autoridade ou de um soberano. Mesmo com
a realização de assembléias e não desaparecendo os termos de magistrados para a
decisão de assuntos da esfera local, na era helenística as cidades perdem a
soberania política para se converter a uma esfera administrativa. Como por
exemplo, com o tratamento das questões militares que eram decididas após uma
posição de Atenas. M. Finley traduz o nascimento do conceito que ilustra o
modelo de governo do Império Romano:
M. Finley - 1912-1986 |
Apenas no continente
grego e nas ilhas do Egeu (sobretudo Rodes) se lutou com alguma conseqüência
para manter a vida política grega tradicional. Onde quer que a dinastia
Antigónida obteve o controle total, o modelo helenístico prevaleceu, porque os
Antigónidas se tornaram (ou tentaram tornar-se) tão absolutos como os seus
rivais do Oriente. Contudo, a sua situação era significativamente diferente: na
pátria, onde tinham a base, continuavam reis macedônicos, governando
macedônicos, sem poder assumir o estilo de Próximo-Oriente de autoridade
absoluta; e, no território grego conquistado, não havia população grega. Muitas
vezes, o seu controle era escasso, por vezes até nem existia, numa ou noutra
região, de modo que, até a conquista pelos romanos, nos meados do século
segundo a.C., se pode falar de uma continuação da polis Grécia, embora diluída e modificada.
Grande parte das conquistas se
fez devido a posições de segurança que expressavam sob a cultura aliada, que
eram vistos como bárbaros pelos gregos. O helenismo trazia a retirada da
soberania política, o aparecimento de um ser até então não conhecido – o
Imperador e a renúncia do mundo em busca de uma razão interior. Foi esse
relacionamento entre a cultura grega e as culturas nativas que mais adiante dá
nome a uma filosofia. A estrutura de monarquia helenística e seus cultos aos
monarcas que Alexandre deixou firme (quando se elevou filho de Zeus, pelos
sacerdotes de Zeus-Amón identificando as duas culturas – grega e egípcia), pode
ter sido o primeiro passo para o que chamou-se Estoicismo.
Diferente da polis grega, as cidades helenísticas
diferenciam política de religião. É na era helenística que nascem as religiões
com uma visão universal, sem radicais determinantes de cidade, região ou país.
A polis, como perdera a qualidade de
poderio, não capacitava mais ser o centro da vida espiritual do homem. A
filosofia e a religião helenística davam a consolação e a esperança a um mundo
em que as perspectivas materiais eram débeis e a política já não era objeto de
análise racional, em que, por conseguinte, a ética tinha de se divorciar da
sociedade e ainda mais da política corrente (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 151). M. Finley
comenta:
No mundo helenístico,
com sua população muito heterogênea e os seus antecedentes históricos mistos,
as possibilidades de confusão, de mescla do humano e do divino, do sagrado e do
secular, não tinham limites. Sejam quais forem os matizes, subsiste o fato de
que o culto do governante se tornou parte integrante do politeísmo helenístico,
junto de todos os setores da população.
Esses relacionamentos culturais
marcam o fim do período helenístico. A evolução em decurso paralelo que geram o
estoicismo garante a principal escola filosófica dos romanos, que como os
judeus, não vão negar suas culturas e utilizam a cultura grega não como única,
e sim, como aperfeiçoamento de suas idéias. Ao unir as culturas, os romanos não
abdicam, por exemplo, a própria língua, mas somam a língua grega às suas
culturas. O estoicismo fundado por Zenão no século III a.C., preconizava a
indiferentismo ao prazer e a dor. Uma resignação na dor e na adversidade. M.
Finley ilustra a filosofia do estoicismo aos olhos dos romanos, numa doutrina
de vocação e dever, sobretudo para os governantes (Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963, p. 152).
Para esses homens de
ação, obviamente, a fraternidade humana e a regra da razão natural tinham
tonalidades muito diferentes das do primeiro estoicismo. O objetivo agora era
encontrar uma base moral sobre o qual governar um império, e após Augusto ter
estabelecido um governo monárquico em Roma, ela restringiu-se ainda mais ao
governo por um monarca absoluto. O rei, que também era um filosófico, tornou-se
o estóico ideal, assim como o Cínico.
Arte helenística |
A “criação” do grego surge
aproximadamente no século V a.C. sendo sua formação resultado da junção de
vários povos. Desta forma, com a queda dos domínios gregos, surge o domínio
romano. São os romanos que vão herdar as formas de relação dos gregos – como no
caso de Alexandre e as relações de organização das póleis. A conquista gradual do mundo helenístico inundou Roma e a
Itália com as idéias gregas, as obras de arte gregas e escravos falando grego.
(...) é impossível discutir as idéias romanas separadamente dos seus modelos ou
inspiração gregos (Os Gregos Antigos. Lisboa:
Edições 70, 1963, p. 152 e 153).
Assim, o Império Romano foi
pouco a pouco se beneficiando do helenismo que resultou na invasão do
território grego e, todavia, com o fim do período helenístico. Nascia uma nova
era. Uma era ocidental. O imperialismo romano criado através do processo de
expansão trouxe consigo características que resultaram em camada senhorial,
referências do que se tornava a aristocracia imperial romana. Junto dela, a
escravidão de povos conquistados ou por dívida dava forma para aquele que seria
o maior de todos os impérios. Um terço da população da península itálica é
feita por escravos por diferentes formas de exploração de trabalho.
A escravidão não só influenciou a vida romana, como a vida romana influenciou a escravidão. A polis Roma nasce como uma junção de propriedades. Conforme vai se transformando em polis, o ‘cidadão’ romano pobre e escravo vai perdendo essa condição. E a escravidão por dívida é a primeira forma de escravidão conhecida em Roma e vai sendo abolida com o tempo. Passam a se organizar politicamente, transformando-se economicamente, inclusive conforme vão sendo participativos nas guerras. Os escravos por dívida pleiteiam suas participações políticas, num processo que durou aproximadamente uma década.
A origem da escravidão surge
com as tensões e os conflitos sociais, oriundos da expansão militar. Fábio Joly
em A Escravidão na Roma Antiga (São
Paulo: Alameda, 2005) comenta a origem daquela que seria a relação de dominação
permanente e violenta de pessoas desraizadas e desonradas. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo:
Alameda, 2005, p.33).
Os historiadores
acreditam que a plebe romana tenha sua principal origem no constante afluxo de
populações vizinhas em direção à cidade, o que levaria a conflitos sociais com
as aristocracias latinas e etruscas aí estabelecidas.
Assim, a escravidão em Roma foi
tendo um caráter pessoal e distinto. Foi se tornando uma conquista política e
de certa forma, tão presente na história de Roma. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.34).
Contudo, sustenta-se que a
escravidão sempre presente na história romana. (provavelmente mais decorrente
de dívidas do que da captura em guerras, embora esta tenha sido uma fonte), complementando
a mão-de-obra do camponês, formada por membros de sua família e por clientes.
Com o fim da monarquia etrusca e o crescimento do território por meio de
campanhas militares, ter-se-ia consolidado em algumas áreas da Itália uma forma
de exploração do trabalho mais calcada na escravidão-mercadoria.
www.historiaescravos.blogspot.com |
O poder e as formas dele iam
sustentando o crescimento não só da escravidão, mas do crescimento populacional
de Roma e seus territórios. E a dependência ou não desse processo, cabia a
senhor relacionar com seus escravos. Em alguns casos, há presença de escravos
independentes. A independência desses escravos pode ser resumida pela
observação dos senhores em perceber que o bom relacionamento com seus escravos
os preveniam de rebeliões e revoltas. (A
Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.35).
Formou-se então,
encabeçado por Roma, um complexo sistema de territórios com povos e cidades
aliadas que deviam tributos e serviam nas legiões. Por meio de uma política de
não-intervenção direta que permitia relativa autonomia local, Roma construiu
sua base de poder e centralizou recursos financeiros e militares.
Formas de conquista e dominação
garantiam certos tipos de relações de integração com a população,
principalmente em torno da terra. Com a intenção de legitimar o senso romano,
várias alternativas foram levando os senhores a ter a relação de poder com seus
escravos, inclusive de liberdade. Ou algo que lembrasse isso. (A Escravidão na Roma Antiga. São Paulo:
Alameda, 2005, p.38).
Logo, impôs-se que a
idéia de liberdade, naquele período da história romana, referia-se muito mais a
uma liberdade perdida do que propriamente a uma oposição com a
escravidão-mercadoria, que então iniciava sua penetração no tecido econômico e
social de Roma. Essa última forma de exploração do trabalho acentuou-se entre
os séculos III a.C., momento característico, pela apropriação do ager publicus (terra pública) por
grandes proprietários em detrimento do campesinato-cidadão cada vez mais
empenhado nas lides bélicas.
Foram dessas relações que
surgia a idéia do bom relacionamento entre senhores e escravos, como forma de
impedir fugas e rebeliões. O acontecimento em 73 a.C., onde gladiadores se
entregavam à derrota como forma de revolta e que teve como castigo a
crucificação de seis mil corpos, foi visto como exemplo e de onde comunidades
foram criadas, recebendo escravos fugitivos. Essas rebeliões eram também
compostas por camponeses. O dilema de todos resumia-se na participação nos
problemas a serem resolvidos entre as guerras, as conquistas e as reflexões
sócio-política e onde Cícero comenta em suas obras, ou escravidão moral. Na
íntegra nada mais era do que a forma de tratamento da questão escravidão, vista
pelos romanos e por Aristóteles como algo natural. Tudo girando em torno do que
todo o império era: uma grande comunidade cívica, guerreira e política. Tão
política que recompensava com a liberdade aqueles escravos que fossem
considerados honestos e obedientes (A
Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.41).
Fabio Joly |
(...) com as conquistas
romanas, o afluxo de escravos e as revoltas servis, compreende-se por que então
justificar a escravidão significava necessariamente justificar o imperialismo
romano e o papel de liderança que nele tinha a aristocracia. (...) Todos
aqueles que pertencessem a cidade hostis eram moralmente indignos (improbi), agiam injustamente e logo eram
passíveis de ser derrotados e escravizados. Vê-se que a teoria ciceroniana da
escravidão combina dois componentes da ideologia da nobilitas: a comunidade cívica e a guerra.
Se, por um lado, a
escravidão é uma punição justa àqueles que colocam em risco a cidade, por
outro, é um estágio temporário para que os vencidos possam inserir-se na
comunidade dos vencedores, moralmente superior. Diz Cícero que a liberdade é a
recompensa daqueles prisioneiros de guerra que se mostraram honestos e
diligentes. Ora, remete-se aqui à identidade entre libertas e ciuitas que a
manumissão do escravo podia operar na Roma antiga.
Enfim, a escravidão
transparece no pensamento ciceroniano como uma questão política, pois decorre
de um processo de expansão territorial e cooptação de novos elementos para a
comunidade romana. Como observaram alguns estudiosos, a ruptura com a teoria
aristotélica é clara e destaca ainda mais a particularidade da escravidão
romana ante sua correspondente grega. Para Aristóteles, na Política, a escravidão é uma instituição fundamentalmente
doméstica, fora dos limites da polis. A
relação senhor-escravo é uma comunidade entre um que comanda por natureza e
outro que, pelo mesmo princípio, é comandado, e cuja finalidade é a
sobrevivência.
Todavia, muitas fontes
contestam a naturalidade da escravidão em Roma e os bons tratos que escravos
receberiam de seus senhores. Indubitavelmente, o trabalho compulsório e a
violência – inclusive sexual – sempre acompanharam a história da escravidão
romana (A Escravidão na Roma Antiga.
São Paulo: Alameda, 2005, p.58).
A escravidão, além de dívidas e
da conquista, também era feita entre casais. A mulher da Roma Antiga depois que
esposava-se, tornava-se propriedade do marido e do senhor dele e devia
obediência aos dois, sendo vista com ‘escrava’ e não passando apenas de um
elemento da casa. Os filhos frutos do casamento como eram cidadãos romanos, eram
vistos pelo império como filhos de Roma, portanto, estavam também sob o poder.
Assim, a escravidão está em
Roma como Roma está na escravidão. O colonato resume bem isso. Entre os
romanos, o método de exploração da terra e o tipo de relação social de produção
em que o colono e sua família ficavam ligados, era perpetuamente relacionado à
terra que cultivavam – sendo essa uma consideração das formas de transição do
escravismo à servidão feudal. (A
Escravidão na Roma Antiga. São Paulo: Alameda, 2005, p.74):
Se por uma lado a
pauperização de setores dessa população tornou a partir de certo momento
desnecessária a escravidão, por outro, as transformações nessa instituição,
estabelecendo novas trajetórias para escravos e libertos, como aquela
possibilitada pelos Latini Juniani,
também desempenharam um papel nesse processo histórico que, por final, acabou
culminando na servidão medieval.
Cidade helenistica-romana de Hierapolis |
Se a escravidão em Roma tinha
um caráter político, o regime imperial decreta a morte da política. Joly ao
citar Finley no último parágrafo do capítulo “Escravos e libertos na economia”
ao falar da mudança de escravidão para colonato, finaliza mostrando como essas
transformações estabeleceram as trajetórias desse que junto com a história da
política em Roma, foi também importante para a sua história na antiguidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário