Foto: assessoria de comunicação |
Nascido
na pequena Cordeirópolis no estado de São Paulo, Roberto Rodrigues está ligado
ao agronegócio desde muito jovem. Engenheiro agrônomo, produtor rural, professor,
e economista rural, ex-Ministro da Agricultura durante o primeiro mandato do
Governo Lula, e um dos maiores especialistas do setor no Brasil, tem dentre
suas qualificações, o conhecimento da real importância e da potencialidade da
agricultura e da pecuária brasileira.
Durante a
entrevista cedida à Pivot Point Brasil, o ex-ministro mostrou além de simpatia
e cordialidade, que é um homem à frente de seu tempo e certo das
responsabilidades e desafios de todos os setores ligados ao agronegócio.
Renomado, seu currículo engloba ainda: coordenador do Centro de Agronegócio da
Fundação Getúlio Vargas, Embaixador da FAO para o Cooperativismo, conselheiro
de várias instituições de classe e acadêmicas ligadas ao agronegócio, tendo
sido, ainda, presidente de organizações e associações que impulsionam e apoiam
o setor no Brasil. É ícone para o setor agropecuário, possuindo nove livros
publicados sobre agricultura, cooperativismo e agronegócio. Com 50 anos de vida
dedicados ao agronegócio, Roberto Rodrigues nos presenteia com uma entrevista em
que faz um panorama da atual situação do setor e dos desafios que devem ser
enfrentados nos próximos anos.
Pivot Point Brasil - Dentre tantos desafios e
conquistas durante sua jornada dentro do agronegócio brasileiro, como o senhor traduz
e classifica o setor?
Roberto Rodrigues - O
agronegócio brasileiro responde por um quarto do PIB nacional, gera 30% dos
empregos e é responsável pelo saldo comercial positivo do país, visto que os
demais setores são deficitários. E apesar da grande crise de 2008, nossas
exportações continuam crescendo. Em 2004, exportamos 35 bilhões de dólares e no
ano passado, dez anos depois, o valor foi de 96 bilhões de dólares, graças
ao desenvolvimento de uma tecnologia tropical em nossos organismos de pesquisa
que foi adotada por nossos produtores rurais, o que nos deu competitividade
frente aos concorrentes de outros países. Esse setor é, portanto, um dos mais
importantes, senão o mais importante, em todo o conjunto socioeconômico
brasileiro.
PP - As dificuldades do setor são inúmeras. Muito
se fala em uma queda na economia brasileira. Como o produtor brasileiro deve se
preparar para uma possível baixa na economia rural?
RR - Estamos terminando
uma safra de verão beneficiada pelo câmbio: embora os preços das commodities tenham
caído em dólares por causa da grande oferta global, a valorização do dólar
frente ao real compensou essa queda, de modo que a renda rural foi sustentada,
e em boa parte do país também ajudada por boas condições climáticas. Mas os
preços continuam caindo lá fora, enquanto os custos da próxima safra subirão
aqui por causa do mesmo câmbio que ajudou a renda desse ano. E não sabemos qual
será o dólar da colheita em 2016. O necessário ajuste fiscal imposto pelo
governo vai reduzir o volume de crédito rural e aumentar os juros de modo que a
perspectiva é de aperto nas margens do ano que vem. O produtor deve colocar as
barbas de molho, cortando custos e reduzindo investimentos. Não dá para
aumentar endividamento neste cenário adverso.
PP - Vendo essa realidade, onde o agronegócio
brasileiro será afetado pela baixa econômica, como o setor irá compensar de
alguma maneira o baixo crescimento de alguns setores?
RR - O PIB do agronegócio
vai crescer mesmo sob essas condições negativas. Este ano deve crescer em torno
de 1,5%. Nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 50%
enquanto a produção cresceu 234%, quase cinco vezes mais! Essa tecnologia
mostra uma grande sustentabilidade. Se tivéssemos hoje a mesma produtividade
por hectare de 25 anos atrás, precisaríamos de mais 69 milhões de hectares para
produzir a safra recorde que estamos colhendo este ano nos 57 milhões de
hectares que cultivamos. Isso quer dizer que preservamos 69 milhões de hectares.
Não é uma promessa, está feito. Como a demanda mundial por alimentos segue
aumentando, continuaremos ajudando a segurança alimentar de outros países ao
mesmo tempo em que sustentamos a economia brasileira tão machucada por
problemas dos demais setores.
PP - Para o senhor, existem estratégias que possam
mudar o cenário do agronegócio atual? Existem caminhos que possam dirigir com
excelência o rumo do setor?
RR - Sem dúvida falta uma estratégia articulada
para o agronegócio crescer muito mais, gerando empregos, renda e riqueza para o
nosso país. E alguns pontos são fundamentais para essa estratégia, como
logística e infraestrutura, fato que todo mundo conhece: já temos um bom
projeto para isso, falta tirar do papel. Falta uma política de renda, que
modernize o crédito rural, crie um seguro agrícola digno desse nome, reforme os
preços mínimos e organize modelos de comercialização privados, como leilões de
opção, fortalecendo as Bolsas de Futuros. Falta uma política comercial mais
agressiva, com acordos bilaterais que aumentem nossos mercados e reduzam a
amarração ao Mercosul, que não nos permite avançar em acordos fundamentais,
como o com a União Europeia. Precisamos estimular ainda mais a tecnologia,
fortalecendo os organismos estaduais e federais de pesquisa e extensão rural.
Precisamos de negociações que agreguem valor as exportações: em vez de exportar
soja e milho em grãos, embuti-los em carne de frango e de suíno para gerar
emprego aqui dentro e não lá fora. A agroenergia, setor que pode mudar a
geopolítica mundial e que foi grande responsável pela redução de nossa
dependência de petróleo importado, deve ser reativada. O FAO e a OCDE
pedem ao Brasil para aumentar em 40% a produção de alimentos, para que o mundo
possa crescer 20% nos próximos dez anos! Temos que crescer o dobro do que o mundo
crescerá e só assim haverá segurança alimentar no mundo. E só conseguiremos
fazer isso se tivermos a estratégia referida. Que passa também pela
modernização de várias legislações que estão obsoletas.
PP - Quando o senhor acredita que o setor
sucroalcooleiro estará recuperado?
RR - Nos últimos anos o governo usou o controle do preço da gasolina para segurar a inflação: comprava lá fora por um preço e vendia aqui dentro mais barato. Com isso, destruiu o valor da Petrobras e acabou com a competitividade do etanol, criando enormes dificuldades para o setor. No começo deste ano, puxado pelo ajuste fiscal, o governo federal voltou a cobrar a CIDE sobre a gasolina, devolvendo competitividade ao etanol. Também permitiu o aumento da mistura, de modo que as coisas tendem a melhorar. Por outro lado, o mercado mundial de açúcar no qual o Brasil é o maior ator, pode piorar porque a Tailândia e a Índia estão subsidiando pesadamente seus produtores de cana. Isso vai aumentar a produção de açúcar nesses dois países, pressionando os preços para baixo. Portanto, precisamos de uma clara estratégia para o setor em nosso país: temos que decidir qual é a matriz energética que queremos, qual o espaço da agroenergia nessa matriz e o que precisa ser feito para garantir tal espaço.
RR - Nos últimos anos o governo usou o controle do preço da gasolina para segurar a inflação: comprava lá fora por um preço e vendia aqui dentro mais barato. Com isso, destruiu o valor da Petrobras e acabou com a competitividade do etanol, criando enormes dificuldades para o setor. No começo deste ano, puxado pelo ajuste fiscal, o governo federal voltou a cobrar a CIDE sobre a gasolina, devolvendo competitividade ao etanol. Também permitiu o aumento da mistura, de modo que as coisas tendem a melhorar. Por outro lado, o mercado mundial de açúcar no qual o Brasil é o maior ator, pode piorar porque a Tailândia e a Índia estão subsidiando pesadamente seus produtores de cana. Isso vai aumentar a produção de açúcar nesses dois países, pressionando os preços para baixo. Portanto, precisamos de uma clara estratégia para o setor em nosso país: temos que decidir qual é a matriz energética que queremos, qual o espaço da agroenergia nessa matriz e o que precisa ser feito para garantir tal espaço.
PP - A crise hídrica chegou e levou a população
brasileira a estar atenta a falta d’água. Muitos estudos tratam o assunto como
participante do histórico do planeta, onde há épocas de seca e épocas de águas.
Para o senhor, o assunto é simples assim?
RR - Não. O assunto é
muito mais complexo. Contempla os ciclos naturais do planeta, mas também tem a
ver com o comportamento humano. A população da Terra está crescendo, assim como
sua renda, de modo que o consumo de tudo aumenta, e é preciso compatibilizar o conjunto
das demandas com a preservação dos recursos naturais. A humanidade tem que
sobreviver e evoluir. Não podemos voltar para as cavernas, mas também não
podemos destruir o meio ambiente. E é possível fazer as duas coisas, desde que
se usem tecnologias modernas e preservacionistas. E aqui há um tema que tem sido
tratado com certo primarismo, o de que a agricultura consome 70% da água
consumida no mundo. Isso não é verdade: a agricultura não consome, ela usa a
água e a devolve filtrada para a natureza. Um pé de milho ainda verde tem 60%
de água, mas quando encerra seu ciclo, vira pó. Ora, para onde foi a água do
milho verde? Voltou para a natureza, como vapor ou para o lençol freático,
renovada e melhorada. A única água exportada pelo milho é a que fica nos grãos
do cereal, que servem para o consumo humano, direta ou indiretamente. Já a água
usada em esgotos urbanos tem muito mais perdas do que as usadas pelas plantas e
animais.
PP - Muitas vezes a população urbana vê o produtor rural como vilão. Nessa crise hídrica isso ficou ainda mais evidente. Como seria possível mudar essa percepção da população?
RR - Esta é uma questão
central. Numa democracia, e felizmente somos uma, as políticas públicas são
definidas muitas vezes em função do que pensa a sociedade. Se a maioria das
pessoas for a favor de reduzir a maioridade penal, por exemplo, isso
acontecerá. A população brasileira é hoje majoritariamente urbana, e em geral
mal informada sobre o papel da agropecuária e do agronegócio no desenvolvimento
e sustentação do país. Recente pesquisa realizada na França mostrou que 82% dos
cidadãos urbanos franceses consideram seus agricultores como heróis. E lá as
políticas públicas estimulam a atividade rural. Aqui, o desconhecimento da
realidade leva nossos urbanos a desprezar a atividade rural e o produtor rural,
achando que eles destroem o meio ambiente, que usam "venenos" nas
plantas, que exploram o trabalho escravo e outras lendas. No mundo
desenvolvido, os cidadãos urbanos tem o maior respeito pelos agricultores
porque sabem que não haverá comida, energia ou fibras (algodão) sem eles. Sabem
que há uma relação visceral entre o urbano e o rural. Ainda não chegamos nesse
ponto de conhecimento, mas isso felizmente está mudando e hoje boa parte da
população urbana já respeita e admira o homem do campo. Mas isso precisa ser
mais bem comunicado: repetir a verdade é o melhor caminho.
PP - Como
o senhor vê a evolução da irrigação no Brasil?
RR - Acho que a
irrigação vem evoluindo no país, mas há ainda um grande espaço para avançar.
Precisamos de políticas regulatórias para esse setor que é a fronteira das
tecnologias agropecuárias, contemplando linhas de crédito especiais, a
modernização dos equipamentos, o uso adequado da água, eventualmente cobrando
por ela, entre outros fatores. A irrigação é a cereja do bolo das modernas
tecnologias, exige atenção especial de governos em todos os níveis: federal,
estaduais e municipais.
PP - Hoje cerca de 5 milhões de hectares são irrigados e fala-se em um potencial de 29 milhões de hectares irrigados. Como ex-ministro de agricultura, quais os caminhos e desafios pra chegarmos lá?
RR - Reitero que
precisamos definir estratégias para esse setor tão importante quanto
delicado. O uso da água, bem como o da terra, constitui-se em crescente
preocupação da humanidade. Linhas especiais de crédito para irrigação e
armazenagem de água precisam ser ampliadas. A tecnologia deve evoluir na
direção da redução do desperdício da água, com equipamentos cada vez mais
modernos, e tudo isso exige muita educação por parte de usuários e formuladores
de políticas públicas. Trata-se de um dos temas mais sérios da moderna
agropecuária, especialmente em países tropicais como o Brasil que tem
gigantescas áreas agricultáveis atualmente não utilizadas porque não chove o
suficiente. Acredito que a irrigação, junto com a nanotecnologia, a
biotecnologia e TI serão as grandes alavancas na direção da ampliação da
competitividade do agro brasileiro.
PP - Para o senhor, não está na hora de o Brasil
ter o seu “farm bill” como acontece nos EUA?
RR - A estratégia de
que tratamos em outra parte dessa entrevista seria uma espécie de "farm
bill" nacional, desde que contemplasse mais especificamente a questão da
renda do homem do campo. A última "farm bill" americana, por exemplo,
sob as crescentes pressões da OMC e dos países concorrentes dos Estados Unidos,
mudou o foco dos subsídios diretos para indiretos, através do fortalecimento do
seguro rural que contempla não apenas problemas determinados por acidentes climáticos,
mas também pela volatilidade dos preços agrícolas. A renda rural fica assim
garantida, e com isso a atividade também se estabiliza, com todos os riscos
mitigados. Portanto, uma política agrícola que cuide dessa temática da renda no
campo seria parte essencial da estratégia que defendemos para o crescimento
equilibrado do nosso agro.
PP - A profissionalização do produtor
rural brasileiro é tecla sempre batida. O que o senhor compreende que deve ser
feito? Quais os caminhos a serem seguidos?
RR -
Profissionalização
no campo é absolutamente fundamental. Não se constrói uma empresa, um
grupamento social ou uma nação sem gente treinada, motivada, preparada e
apta para exercer com profissionalismo sua atividade, qualquer que seja ela.
Isso não é diferente na agropecuária, onde a profissionalização precisa atender
aos diversos níveis de atividade. Hoje uma colhedeira de cana com todos os
aparatos que a cercam custa quase um milhão de reais. Um operador de tal
máquina vai lidar com GPS, computador de bordo, informações via satélite, o que
exige grande investimento em treinamento. Tampouco se faz agricultura de
precisão ou integração lavoura / pecuária sem preparo técnico. Rastreabilidade
e certificação, fenômenos cuja exigência crescerá no mundo todo, não se farão
sem gente capacitada, seja na agricultura, seja na pecuária, seja na
agroindústria: os consumidores modernos querem saber como aquele produto foi
feito, quem esteve à frente dos processos. Portanto, os trabalhadores rurais
devem receber muita informação e treinamento. No nível médio, sobretudo nos
controles de custo, na gestão e na gerência das empresas também são necessários
funcionários especializados e capazes, os técnicos agrícolas e em gestão. E por
fim, os profissionais de nível superior (engenheiros agrônomos, médicos
veterinários, zootecnistas, engenheiros florestais, etc) precisam saber mais do
que hoje aprendem. Precisam entender de mercado, de políticas públicas, de
avanços científicos, de gestão (aí entrando a gestão ambiental, a trabalhista,
a fiscal e tributária, a financeira, o controle de custos, etc). Estes três
níveis de trabalhadores deveriam estar preparados para discutir os fatores
essenciais para a produção sustentável e competitiva.
PP - Durante suas aulas, qual a maior dificuldade
aparente nos seus alunos? O que temem os futuros profissionais do agronegócio
brasileiro?
RR - Acho que a maior problema dos alunos de
ciências agrárias é a expectativa de conseguir um bom emprego, condizente com
seus sonhos e ambições. A competição é acirrada e não dá espaço para acomodação
ou despreparo. Insisto muito com os futuros profissionais desse setor que devem
se comunicar bem, aptos a trabalhar em equipe, com espírito de liderança,
conhecendo informática e com boa prática de inglês e, se possível, de espanhol.
Devem estar informados sobre as instituições que regem a atividade do setor
escolhido e precisam conhecer a história do país, sua geografia, suas
características edafoclimáticas, étnicas, culturais... O profissional de
ciências agrárias não deve ser apenas um técnico que conheça bem seu setor,
embora isso seja absolutamente essencial: é preciso ser um comandante, pela
única e boa razão de que o agronegócio comandará ainda por um bom tempo os
horizontes da economia nacional.
*Entrevista publicada em Pivot Point Brasil - abril/2015
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