quinta-feira, 30 de junho de 2016

Novos Irrigantes

As novidades do setor, aliadas à necessidade de otimização, trazem cada vez mais empresários do agronegócio brasileiro para o mundo da irrigação. O novo irrigante! De pequeno a grande produtor, de norte a sul do país, esse profissional chega ao mercado muito bem informado e adepto das novas tecnologias no campo tornado-se referência no agronegócio brasileiro.


Foto: Maurício Farias
A irrigação por pivô central no Brasil vem se desenvolvendo desde 1978, mas, ainda hoje, em algumas regiões, é algo praticamente novo dentro das propriedades agrícolas. A irrigação por pivô central tem cada dia mais conquistado novos adeptos com perfis diversos, mas que têm em comum o fato de serem empresários que avaliam as diversas alternativas para incremento de produção principalmente em função do escassez e alto custo das terras. Muitas vezes, são questionados por aqueles que acreditam que o pivô é um equipamento caro voltado para os grandes produtores de soja e milho.
Viajando pelo país, é fácil observar que essa ideia é equivocada. Temos produtores de médio e pequeno porte colhendo melhorias diárias em sua produtividade graças à irrigação. Além disso, esses produtores deixam de usar a irrigação apenas para a produção agrícola, e a direcionam para a irrigação de pastagem e silagem voltadas para a pecuária de corte e de leite.
A primeira legislação brasileira que levanta a bandeira da irrigação data de 1934 com o Código das Águas, trazendo relevância à gestão dos recursos hídricos no Brasil. O decreto garantia o livre uso de fluxos ou fontes de água para as necessidades básicas de vida, utilizando o nome de ‘águas públicas’ e determinando que uso deveria seguir regulamentações administrativas. Com a Política Nacional de Irrigação, de 1979, são definidos termos de desenvolvimento da irrigação, com alguns pontos principais, como: pesquisa, planejamento, tarifas e preservação da qualidade da água. Em 1988, com a publicação da Constituição Federal, a utilização da água para irrigação é dividida entre a União e os Estados, que começam a criar seus próprios sistemas para gerir seus recursos hídricos. O primeiro estado a aprovar uma lei de gestão de recursos públicos foi São Paulo em 1991.
Paralelamente, o número de habitantes aumentou e, consequentemente, a necessidade de maior geração de alimentos. Esses números permitem o desenvolvimento da agricultura de alta produção no Brasil, gerando assim mais alimentos para atender à demanda, levando o agricultor a aperfeiçoar sua propriedade por meio da irrigação.
 Três décadas depois da vinda da Valmont para o Brasil e com os recordes de produção agrícola brasileira, os números mostram que dos 120 milhões de hectares utilizados pela agricultura no Brasil, apenas 3,5 milhões são irrigados, dando estimativas de que 29 milhões desses hectares possam ser utilizados para a prática. São nesses números em que os não irrigantes e os irrigantes estão de olho. Uma grande oportunidade de negócio! São os novos irrigantes brasileiros!
   
O pecuarista agricultor

Nascido e criado em uma família tradicional de pecuaristas, Albano Ferreira sempre esteve ligado à produção rural. Durante toda sua vida foi criador de gado de corte, chegando a ter uma passagem rápida pelo gado de elite. Com propriedades rurais em São Paulo e no Mato Grosso do Sul de cria e engorda, há cinco anos decidiu fazer o plantio de soja para reforma de pasto na fazenda de Ribas do Rio Pardo - MS. A princípio, não visava lucros, mas dois anos depois da empreitada, percebeu que o grão podia lhe gerar rendas junto com a pecuária de extensão já utilizada.
Arrendadas as terras de São Paulo para a produção canavieira, decidiu concentrar suas energias somente na propriedade sul-mato-grossense. Com os lucros do plantio da soja, foi aos poucos percebendo que podia ter outra ocupação: a de agricultor. A oportunidade bateu à sua porta: adquiriu propriedade vizinha às suas terras, onde a qualidade da terra era melhor para a agricultura. Pronto! Sua produção estava basicamente organizada, dedicando parte para a pecuária de extensão, parte para a agricultura em sequeiro, dependendo da chuva para tudo dar certo.
 Mas em julho de 2014, viu que podia transformar suas lavouras. Em uma visita a parentes em Unaí - MG, viu de perto um pivô, seu funcionamento e sua produtividade. Ficou abismado: “Gostei demais! Vim louco e fui atrás de informações”, conta se referindo à assistência que a revenda Valley Amana lhe direcionou. A instalação de dois pivôs aconteceu dois meses depois da primeira apresentação, e a primeira colheita, mesmo não tendo expectativas de produtividade, impressionou: “Tive muita sorte por me adequar à legislação ambiental do município. Sou muito novo nisso. Estou começando agora, mas estou muito satisfeito. Já fiz uma safra e já estou plantando de novo”.
Já planejando suas colheitas, tem o calendário certo para cada lavoura. O que antes era apenas reforma de pasto para o que denomina como safrinha da carne, hoje já sabe que tem tempo certo e direcionamento para cada função dentro da propriedade: “A integração que estou fazendo é essa: planto soja no verão, colho e agora tem o milho que já vai para o confinamento. Planto capim só na safrinha, onde o gado fica seis meses, e volto para a soja de novo. Achava que irrigação era um bicho de sete cabeças, e não é. É facinho! Tem colocar em prática! É só querer!”.
Apesar de o estado do Mato Grosso do Sul não ter grandes períodos de estiagem, a irrigação foi vista principalmente como uma segurança. “Se eu pedir a um banco que segure uma lavoura, caso façam, será uma prestação cara, mais cara que a aquisição de um pivô. É indiscutível! As contas fecham muito bem”, acrescenta com o pensamento de um empreendedor.
E como todo empreendedor, Albano Ferreira viu que o pivô Valley podia ter mais funcionalidade na sua propriedade com a utilização da Irriger como ferramenta. “Pensava que irrigar era molhar bastante a lavoura. Depois que acompanhei o trabalho da Irriger entendi o que é irrigação”
Com mais seis pivôs em instalação, totalizando oito equipamentos, a intenção é continuar irrigando em São Paulo quando terminar o contrato do arrendamento. Com a produção de pecuária e lavoura numa área de 501 ha, Albano, ladeado pelo filho Rodrigo recém-chegado para o trabalho na fazenda, sabe da sua função como novo irrigante: “Trabalhando com responsabilidade a água e a energia, o pivô é um seguro, pois é certeza de colheita. Temos que ter o pé no chão. Há um ano nem imaginava ter um pivô e hoje tenho oito rodando”. Rodrigo completa: “Sempre tive vontade de correr atrás do meu espaço, de aprender. A irrigação é um passo importante para eu sair do meu emprego em São Paulo e estar aqui, direcionado, e certo de que trabalhar com meu pai é a melhor coisa para mim, mesmo trabalhando há um mês sem parar”, responde rindo fazendo comparativo com o quanto trabalhava na cidade.
  
Especialista em lavouras de soja no Paraguai

De Redenção do Gurguéia no Piauí vem outro novo irrigante, que nasceu numa família de agricultores familiares em Santa Catarina. Quando jovem, vai para o Paraguai nos anos 1980 trabalhar nas lavouras de soja vizinhas, onde se especializa na cultura do grão. Em 2000, volta para o Brasil buscando oportunidades no nordeste do país.
Empolgado, Eloi Pieta, com ajuda dos irmãos, resolve implantar o cultivo da soja no cerrado piauiense, mas as dificuldades do clima quente impediam grandes produtividades e consequentemente progressos. Sem irrigação, a terra não permitia o trabalho com a agricultura e os problemas foram aparecendo, já que os veranicos são muito extensos naquela região, levando em poucos dias à morte da planta.
Surge a intenção de irrigar. A princípio foi o irmão Carlos ainda no Paraguai quem viu a possibilidade de Eloi irrigar para salvar as lavouras em sua propriedade, aproveitando do clima favorável para o investimento. Como não conhecia o equipamento, o incentivo foi importante para que fosse até a Bahia observar o trabalho de um pivô central: “Fizemos a viagem exclusivamente para conhecer a tecnologia. À primeira vista ficamos impressionados, pois onde havia pivô estava tudo verde e onde não havia, estava tudo seco”. A decisão pela aquisição dos pivôs foi tomada naquele momento e fechar com a revenda Valley Multigrãos foi logo concretizada.
Os resultados superaram as expectativas. Com seis pivôs instalados e irrigando 106 ha cada, Eloi Pieta adquiriu mais três equipamentos que estão em instalação. A ideia inicial de irrigar soja foi incrementada às lavouras secundárias de milho, feijão e arroz irrigado. “Nossas expectativas eram de que os pivôs fossem realmente eficientes, mas depois que se provaram os resultados com o manuseio e a primeira colheita, ficamos impressionados com os resultados”.
  Hoje, com a propriedade irrigando 632 ha, os planos são de terminar 2015 com 930 ha irrigados. Mas não para por aí: “As expectativas são muito grandes quanto ao cultivo. Em pouco tempo queremos alcançar 2500 ha irrigados”.

O pequeno-grande produtor

Adilson Queiroz é produtor rural desde criança. Trabalhador, passou a vida na lida diária e difícil de um pequeno produtor de leite no Brasil. Há 20 anos à frente da propriedade junto com a mulher Dores e os dois filhos Aline e Dário, o dia-a-dia da produção leiteira muitas vezes levou a família a condições muito difíceis. Mas, como resume bem: “continuei com a atividade que sabia mexer”.
Em suma, os dias da família Queiroz eram preenchidos com a ordenha de leite, o cuidado com o pasto e o trato da silagem pobre em nutrientes que eles mesmos plantavam e colhiam na fazenda de 100 hectares. Isso quando não perdia produção por conta do sol escaldante que a região de Vazante no noroeste de Minas Gerais tem o ano todo. “São Pedro aqui é bem regrado”.
De sua propriedade, Adilson via certa vez um vizinho instalar um pivô. A quantidade de canos impressionava e gerava dúvidas sobre funcionamento do equipamento. Para ele, não havia cabimento um pivô funcionar com energia monofásica. Acreditava que só a energia trifásica teria condições de comportar o funcionamento. E foi com essa descoberta que percebeu pela primeira vez que podia irrigar também. Mesmo que fosse muito distante daquela realidade.
Enquanto o vizinho instalava seus pivôs, Adilson foi tirar as dúvidas que tinha com o técnico agrícola e projetista de sistema de irrigação da revenda Pivodrip, Gustavo Silva Jr. Aproveitou, fez orçamento e correu para contar à mulher que iam ter um pivô. Ela duvidou, mas, confiando na certeza do marido, apoiou o que até então era uma loucura. “Pensei comigo: isso é possível! Se está acessível para tantos, posso ter um também, uai!”
As dúvidas já não pairavam mais sobre sua cabeça. As expectativas eram as melhores, já que sua experiência mostrava que o que lhe impedia de oferecer trato de qualidade ao seu gado era a falta de nutrientes que a silagem que costumava plantar trazia com a falta de água. “Sabia que ia conseguir o que estava procurando: produtividade e qualidade. E consegui, graças a Deus!”.
Na primeira colheita, a surpresa foi imensa. “Nunca vi minhas vacas darem tanto leite!”, se referindo aos números que antes eram de 12 litros de leite/vaca, passando para 28 litros de leite/vaca – chegando a alguns animais a 30 litros.
Rapidamente foi vendo somados os resultados. O que colhia antes em 30 ha, com a irrigação, consegue em 10 ha, ou seja: de 15 toneladas/ha para as surpreendentes 50t/ha. Gustavo Jr., completa: “Na verdade o Adilson usa o grão como rotação de cultura. Ele faz duas de silo e uma de soja, conseguindo assim três safras/ano”.
A capacidade de enxergar além da realidade difícil de pequeno produtor rural mudou a vida de Adilson e de sua família. Sua coragem em ir atrás de informações permitiu ver que, literalmente, a irrigação era a salvação de sua lavoura. Seus dias agora na fazenda são mais produtivos, podendo planejar suas ações no campo. “Com o pivô a gente projeta o dia que vai tratar a terra, o dia que vai plantar e o dia que vai colher. Se não irrigar, você não consegue, pois não chove. Agora com o pivô é diferente: o ‘trem’ joga água e ainda roda lá por cima! Não tem jeito: colhe mesmo!”.
Emocionada, Dores lembra as dificuldades do marido no trabalho no campo antes da irrigação. “Sou feliz demais! O dia em que o pivô foi montado e a água caiu na terra levantando a poeira, choramos nós quatro lá embaixo dele. Mas choramos foi de alegria, porque a última colheita nossa não deu nada. Os pés de milho quebraram porque não choveu. Era muito difícil”.
Adilson continua enxergando longe. Seu projeto é continuar produzindo, sempre diversificando para conseguir confinar gado - uma de suas metas. Para isso ele ouve atento às orientações do técnico Gustavo: “A questão da irrigação não envolve só investimento para aquisição. Existem situações limitantes que determinam na compra do equipamento. Todos têm que caminhar juntos: recursos e estrutura da fazenda”.
Para o pequeno-grande produtor que em um ano adquiriu um pivô com dois lances e que já tem mais um para ser instalado, ser irrigante nunca tinha sido tão vantajoso: “O único problema do pivô é que ele me fez beber uma pinga. Coisa que nunca fiz. Quando vi aquelas espigonas daquele tamanho, falei: vou ter que tomar uma para comemorar”, contou emocionado num misto de risada e olhos marejados d’água.

Pasto irrigado

Administrador de empresas, Daniel Domingos teve sua ligação com a produção rural desde sempre. Filho de produtor de gado de corte, dedicou-se à carreira de gerente de um banco público nacional. Mas, como o mundo gira, viu-se destinado a abandonar o cargo, trocar o sapato pela botina, e voltar para o campo.
Em 2007, com a morte do sogro e a impossibilidade de a esposa cuidar da propriedade do pai, teve que enfrentar o desafio de tomar conta de uma propriedade produtora de cana no estado de Alagoas. Cinco anos depois, vê a possibilidade de investir em uma nova fazenda. Pensou em voltar para Patos de Minas, onde nasceu e estava sua família. Fazendo bom uso de sua formação, visou unir detalhes que fizesse do negócio e que fossem importantes para o sucesso da aquisição “Já na compra pensei em irrigação. Precisava gerar aproveitamento e retorno compatível com o investimento”.
Junto com o fechamento da compra da propriedade, três pivôs setoriais foram instalados a fim de potencializar o investimento. Apaixonado por pecuária, o projeto inicial era investir em gado de corte como o pai, mas a possibilidade de utilizar a agricultura irrigada para o trato animal foi amadurecida, determinando-se que a produção leiteira, aliada à genética através da transferência de embrião, seria um bom negócio. Outro fator participante para a decisão do administrador é a região onde está situada a fazenda, considerada a maior bacia leiteira do país.
O investimento em matrizes girolandos já colhe frutos. Em 2014, Daniel Domingos terminou o ano como quarto melhor expositor no ranking da Associação Brasileira de Criadores de Girolando. Atualmente, o jovem produtor é o primeiro colocado no grau de sangue ¾. Nesse mesmo ano, o primeiro pivô foi instalado. Ao todo são 50,5 ha irrigando além de pasto, milho para silagem que é dividido entre o uso da fazenda e a comercialização. Com 50% da área destinada a pastagem, Daniel consegue produzir pasto de qualidade a 8 UAH (unidades de animais por hectare), fugindo da média do Brasil que é de 1 UAH. “O pivô para pasto é um bom negócio”.
“Quando comentei com as pessoas que ia irrigar pasto me perguntavam se eu estava doido. Para muitos, pivô é para quem planta. Recebi muita gente aqui para provar que a atividade era muito viável. O investimento em mecanização – pivô e máquinas – quebra um paradigma de que irrigação é somente para agricultura. Esse tipo de investimento é que vai mudar a perspectiva da pecuária no Brasil”, completa.

*Matéria de Capa publicada em Pivot Point Brasil - abril/2015

Roberto Rodrigues – uma aula de agronegócio

Foto: assessoria de comunicação
Nascido na pequena Cordeirópolis no estado de São Paulo, Roberto Rodrigues está ligado ao agronegócio desde muito jovem. Engenheiro agrônomo, produtor rural, professor, e economista rural, ex-Ministro da Agricultura durante o primeiro mandato do Governo Lula, e um dos maiores especialistas do setor no Brasil, tem dentre suas qualificações, o conhecimento da real importância e da potencialidade da agricultura e da pecuária brasileira.

Durante a entrevista cedida à Pivot Point Brasil, o ex-ministro mostrou além de simpatia e cordialidade, que é um homem à frente de seu tempo e certo das responsabilidades e desafios de todos os setores ligados ao agronegócio. Renomado, seu currículo engloba ainda: coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, Embaixador da FAO para o Cooperativismo, conselheiro de várias instituições de classe e acadêmicas ligadas ao agronegócio, tendo sido, ainda, presidente de organizações e associações que impulsionam e apoiam o setor no Brasil. É ícone para o setor agropecuário, possuindo nove livros publicados sobre agricultura, cooperativismo e agronegócio. Com 50 anos de vida dedicados ao agronegócio, Roberto Rodrigues nos presenteia com uma entrevista em que faz um panorama da atual situação do setor e dos desafios que devem ser enfrentados nos próximos anos.

Pivot Point Brasil - Dentre tantos desafios e conquistas durante sua jornada dentro do agronegócio brasileiro, como o senhor traduz e classifica o setor?
Roberto Rodrigues - O agronegócio brasileiro responde por um quarto do PIB nacional, gera 30% dos empregos e é responsável pelo saldo comercial positivo do país, visto que os demais setores são deficitários. E apesar da grande crise de 2008, nossas exportações continuam crescendo. Em 2004, exportamos 35 bilhões de dólares e no ano passado, dez anos depois, o valor foi de 96 bilhões de dólares, graças ao desenvolvimento de uma tecnologia tropical em nossos organismos de pesquisa que foi adotada por nossos produtores rurais, o que nos deu competitividade frente aos concorrentes de outros países. Esse setor é, portanto, um dos mais importantes, senão o mais importante, em todo o conjunto socioeconômico brasileiro.

PP - As dificuldades do setor são inúmeras. Muito se fala em uma queda na economia brasileira. Como o produtor brasileiro deve se preparar para uma possível baixa na economia rural?
RR - Estamos terminando uma safra de verão beneficiada pelo câmbio: embora os preços das commodities tenham caído em dólares por causa da grande oferta global, a valorização do dólar frente ao real compensou essa queda, de modo que a renda rural foi sustentada, e em boa parte do país também ajudada por boas condições climáticas. Mas os preços continuam caindo lá fora, enquanto os custos da próxima safra subirão aqui por causa do mesmo câmbio que ajudou a renda desse ano. E não sabemos qual será o dólar da colheita em 2016. O necessário ajuste fiscal imposto pelo governo vai reduzir o volume de crédito rural e aumentar os juros de modo que a perspectiva é de aperto nas margens do ano que vem. O produtor deve colocar as barbas de molho, cortando custos e reduzindo investimentos. Não dá para aumentar endividamento neste cenário adverso.

PP - Vendo essa realidade, onde o agronegócio brasileiro será afetado pela baixa econômica, como o setor irá compensar de alguma maneira o baixo crescimento de alguns setores?
RR - O PIB do agronegócio vai crescer mesmo sob essas condições negativas. Este ano deve crescer em torno de 1,5%. Nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 50% enquanto a produção cresceu 234%, quase cinco vezes mais! Essa tecnologia mostra uma grande sustentabilidade. Se tivéssemos hoje a mesma produtividade por hectare de 25 anos atrás, precisaríamos de mais 69 milhões de hectares para produzir a safra recorde que estamos colhendo este ano nos 57 milhões de hectares que cultivamos. Isso quer dizer que preservamos 69 milhões de hectares. Não é uma promessa, está feito. Como a demanda mundial por alimentos segue aumentando, continuaremos ajudando a segurança alimentar de outros países ao mesmo tempo em que sustentamos a economia brasileira tão machucada por problemas dos demais setores.

PP - Para o senhor, existem estratégias que possam mudar o cenário do agronegócio atual? Existem caminhos que possam dirigir com excelência o rumo do setor?
RR - Sem dúvida falta uma estratégia articulada para o agronegócio crescer muito mais, gerando empregos, renda e riqueza para o nosso país. E alguns pontos são fundamentais para essa estratégia, como logística e infraestrutura, fato que todo mundo conhece: já temos um bom projeto para isso, falta tirar do papel. Falta uma política de renda, que modernize o crédito rural, crie um seguro agrícola digno desse nome, reforme os preços mínimos e organize modelos de comercialização privados, como leilões de opção, fortalecendo as Bolsas de Futuros. Falta uma política comercial mais agressiva, com acordos bilaterais que aumentem nossos mercados e reduzam a amarração ao Mercosul, que não nos permite avançar em acordos fundamentais, como o com a União Europeia. Precisamos estimular ainda mais a tecnologia, fortalecendo os organismos estaduais e federais de pesquisa e extensão rural. Precisamos de negociações que agreguem valor as exportações: em vez de exportar soja e milho em grãos, embuti-los em carne de frango e de suíno para gerar emprego aqui dentro e não lá fora. A agroenergia, setor que pode mudar a geopolítica mundial e que foi grande responsável pela redução de nossa dependência de petróleo importado, deve ser reativada. O FAO e a OCDE pedem ao Brasil para aumentar em 40% a produção de alimentos, para que o mundo possa crescer 20% nos próximos dez anos! Temos que crescer o dobro do que o mundo crescerá e só assim haverá segurança alimentar no mundo. E só conseguiremos fazer isso se tivermos a estratégia referida. Que passa também pela modernização de várias legislações que estão obsoletas.

PP - Quando o senhor acredita que o setor sucroalcooleiro estará recuperado?
RR - Nos últimos anos o governo usou o controle do preço da gasolina para segurar a inflação: comprava lá fora por um preço e vendia aqui dentro mais barato. Com isso, destruiu o valor da Petrobras e acabou com a competitividade do etanol, criando enormes dificuldades para o setor. No começo deste ano, puxado pelo ajuste fiscal, o governo federal voltou a cobrar a CIDE sobre a gasolina, devolvendo competitividade ao etanol. Também permitiu o aumento da mistura, de modo que as coisas tendem a melhorar. Por outro lado, o mercado mundial de açúcar no qual o Brasil é o maior ator, pode piorar porque a Tailândia e a Índia estão subsidiando pesadamente seus produtores de cana. Isso vai aumentar a produção de açúcar nesses dois países, pressionando os preços para baixo. Portanto, precisamos de uma clara estratégia para o setor em nosso país: temos que decidir qual é a matriz energética que queremos, qual o espaço da agroenergia nessa matriz e o que precisa ser feito para garantir tal espaço.

PP - A crise hídrica chegou e levou a população brasileira a estar atenta a falta d’água. Muitos estudos tratam o assunto como participante do histórico do planeta, onde há épocas de seca e épocas de águas. Para o senhor, o assunto é simples assim?
RR - Não. O assunto é muito mais complexo. Contempla os ciclos naturais do planeta, mas também tem a ver com o comportamento humano. A população da Terra está crescendo, assim como sua renda, de modo que o consumo de tudo aumenta, e é preciso compatibilizar o conjunto das demandas com a preservação dos recursos naturais. A humanidade tem que sobreviver e evoluir. Não podemos voltar para as cavernas, mas também não podemos destruir o meio ambiente. E é possível fazer as duas coisas, desde que se usem tecnologias modernas e preservacionistas. E aqui há um tema que tem sido tratado com certo primarismo, o de que a agricultura consome 70% da água consumida no mundo. Isso não é verdade: a agricultura não consome, ela usa a água e a devolve filtrada para a natureza. Um pé de milho ainda verde tem 60% de água, mas quando encerra seu ciclo, vira pó. Ora, para onde foi a água do milho verde? Voltou para a natureza, como vapor ou para o lençol freático, renovada e melhorada. A única água exportada pelo milho é a que fica nos grãos do cereal, que servem para o consumo humano, direta ou indiretamente. Já a água usada em esgotos urbanos tem muito mais perdas do que as usadas pelas plantas e animais.

PP - Muitas vezes a população urbana vê o produtor rural como vilão. Nessa crise hídrica isso ficou ainda mais evidente. Como seria possível mudar essa percepção da população?
RR - Esta é uma questão central. Numa democracia, e felizmente somos uma, as políticas públicas são definidas muitas vezes em função do que pensa a sociedade. Se a maioria das pessoas for a favor de reduzir a maioridade penal, por exemplo, isso acontecerá. A população brasileira é hoje majoritariamente urbana, e em geral mal informada sobre o papel da agropecuária e do agronegócio no desenvolvimento e sustentação do país. Recente pesquisa realizada na França mostrou que 82% dos cidadãos urbanos franceses consideram seus agricultores como heróis. E lá as políticas públicas estimulam a atividade rural. Aqui, o desconhecimento da realidade leva nossos urbanos a desprezar a atividade rural e o produtor rural, achando que eles destroem o meio ambiente, que usam "venenos" nas plantas, que exploram o trabalho escravo e outras lendas. No mundo desenvolvido, os cidadãos urbanos tem o maior respeito pelos agricultores porque sabem que não haverá comida, energia ou fibras (algodão) sem eles. Sabem que há uma relação visceral entre o urbano e o rural. Ainda não chegamos nesse ponto de conhecimento, mas isso felizmente está mudando e hoje boa parte da população urbana já respeita e admira o homem do campo. Mas isso precisa ser mais bem comunicado: repetir a verdade é o melhor caminho.

PP - Como o senhor vê a evolução da irrigação no Brasil?
RR - Acho que a irrigação vem evoluindo no país, mas há ainda um grande espaço para avançar. Precisamos de políticas regulatórias para esse setor que é a fronteira das tecnologias agropecuárias, contemplando linhas de crédito especiais, a modernização dos equipamentos, o uso adequado da água, eventualmente cobrando por ela, entre outros fatores. A irrigação é a cereja do bolo das modernas tecnologias, exige atenção especial de governos em todos os níveis: federal, estaduais e municipais.

PP - Hoje cerca de 5 milhões de hectares são irrigados e  fala-se em um potencial de 29 milhões de hectares irrigados. Como ex-ministro de agricultura, quais os caminhos e desafios pra chegarmos lá?
RR - Reitero que precisamos definir estratégias para esse setor tão importante quanto delicado. O uso da água, bem como o da terra, constitui-se em crescente preocupação da humanidade. Linhas especiais de crédito para irrigação e armazenagem de água precisam ser ampliadas. A tecnologia deve evoluir na direção da redução do desperdício da água, com equipamentos cada vez mais modernos, e tudo isso exige muita educação por parte de usuários e formuladores de políticas públicas. Trata-se de um dos temas mais sérios da moderna agropecuária, especialmente em países tropicais como o Brasil que tem gigantescas áreas agricultáveis atualmente não utilizadas porque não chove o suficiente. Acredito que a irrigação, junto com a nanotecnologia, a biotecnologia e TI serão as grandes alavancas na direção da ampliação da competitividade do agro brasileiro.

PP - Para o senhor, não está na hora de o Brasil ter o seu “farm bill” como acontece nos EUA?
RR - A estratégia de que tratamos em outra parte dessa entrevista seria uma espécie de "farm bill" nacional, desde que contemplasse mais especificamente a questão da renda do homem do campo. A última "farm bill" americana, por exemplo, sob as crescentes pressões da OMC e dos países concorrentes dos Estados Unidos, mudou o foco dos subsídios diretos para indiretos, através do fortalecimento do seguro rural que contempla não apenas problemas determinados por acidentes climáticos, mas também pela volatilidade dos preços agrícolas. A renda rural fica assim garantida, e com isso a atividade também se estabiliza, com todos os riscos mitigados. Portanto, uma política agrícola que cuide dessa temática da renda no campo seria parte essencial da estratégia que defendemos para o crescimento equilibrado do nosso agro.

PP - A profissionalização do produtor rural brasileiro é tecla sempre batida. O que o senhor compreende que deve ser feito? Quais os caminhos a serem seguidos?
RR - Profissionalização no campo é absolutamente fundamental. Não se constrói uma empresa, um grupamento social ou uma nação sem gente treinada, motivada, preparada e apta para exercer com profissionalismo sua atividade, qualquer que seja ela. Isso não é diferente na agropecuária, onde a profissionalização precisa atender aos diversos níveis de atividade. Hoje uma colhedeira de cana com todos os aparatos que a cercam custa quase um milhão de reais. Um operador de tal máquina vai lidar com GPS, computador de bordo, informações via satélite, o que exige grande investimento em treinamento. Tampouco se faz agricultura de precisão ou integração lavoura / pecuária sem preparo técnico. Rastreabilidade e certificação, fenômenos cuja exigência crescerá no mundo todo, não se farão sem gente capacitada, seja na agricultura, seja na pecuária, seja na agroindústria: os consumidores modernos querem saber como aquele produto foi feito, quem esteve à frente dos processos. Portanto, os trabalhadores rurais devem receber muita informação e treinamento. No nível médio, sobretudo nos controles de custo, na gestão e na gerência das empresas também são necessários funcionários especializados e capazes, os técnicos agrícolas e em gestão. E por fim, os profissionais de nível superior (engenheiros agrônomos, médicos veterinários, zootecnistas, engenheiros florestais, etc) precisam saber mais do que hoje aprendem. Precisam entender de mercado, de políticas públicas, de avanços científicos, de gestão (aí entrando a gestão ambiental, a trabalhista, a fiscal e tributária, a financeira, o controle de custos, etc). Estes três níveis de trabalhadores deveriam estar preparados para discutir os fatores essenciais para a produção sustentável e competitiva.

PP - Durante suas aulas, qual a maior dificuldade aparente nos seus alunos? O que temem os futuros profissionais do agronegócio brasileiro?
RR - Acho que a maior problema dos alunos de ciências agrárias é a expectativa de conseguir um bom emprego, condizente com seus sonhos e ambições. A competição é acirrada e não dá espaço para acomodação ou despreparo. Insisto muito com os futuros profissionais desse setor que devem se comunicar bem, aptos a trabalhar em equipe, com espírito de liderança, conhecendo informática e com boa prática de inglês e, se possível, de espanhol. Devem estar informados sobre as instituições que regem a atividade do setor escolhido e precisam conhecer a história do país, sua geografia, suas características edafoclimáticas, étnicas, culturais... O profissional de ciências agrárias não deve ser apenas um técnico que conheça bem seu setor, embora isso seja absolutamente essencial: é preciso ser um comandante, pela única e boa razão de que o agronegócio comandará ainda por um bom tempo os horizontes da economia nacional.

*Entrevista publicada em Pivot Point Brasil - abril/2015